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O candomblé e o tempo

In: “Concepções de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras” por Reginaldo Prandi

Parte II

Um novo adepto do candomblé ou outra religião afro-brasileira tradicional que tenha nascido e sido criado fora dessa religião, na qual ele ingressa por escolha pessoal, não é caso raro (Prandi, 2000a). Desde que o candomblé se transformou numa religião aberta a todos, independentemente da origem racial, étnica, geográfica ou de classe social, grande parte dos seguidores, ou a maior parte em muitas regiões do Brasil, é de adesão recente, não tendo tido anteriormente, nem mesmo no âmbito familiar, maior contacto com valores e modos de agir característicos dessa religião. Na maioria dos casos, aderir a uma religião também significa mudar muitas concepções sobre o mundo, a vida, a morte. O novo adepto do candomblé, ao frequentar o terreiro, o templo, e participar das inúmeras atividades coletivas indispensáveis ao culto, logo se depara com uma nova maneira de considerar o tempo. Ele terá que ser ressocializado para poder conviver com coisas que, nos primeiros contactos, lhe parecerão estranhas e desconfortáveis. Ele tem de aprender que tudo tem sua hora, mas que essa hora não é simplesmente determinada pelo relógio e sim pelo cumprimento de determinadas tarefas, que podem ser completadas antes ou depois de outras, dependendo de certas ocorrências, entre as quais algumas imprevisíveis, o que pode adiantar ou atrasar toda a cadeia de actividades. Aliás, esses termos “atrasar” e “adiantar” são estranhos à situação que desejo considerar, pois no candomblé, como já disse, tudo tem seu tempo, e cada actividade se cumpre no tempo que for necessário. É a actividade que define o tempo e não o contrário.

As festas de candomblé, quando são realizadas as celebrações públicas de canto e dança, as chamadas cerimónias de barracão, durante as quais os orixás se manifestam por meio do transe ritual, são precedidas de uma série de ritos propiciatórios, que envolvem sacrifício de animais, preparo das carnes para o posterior banquete comunitário, fazimento das comidas rituais oferecidas aos orixás que estão sendo celebrados, cuidado com os membros da comunidade que estão recolhidos na clausura para o cumprimento de obrigações iniciáticas, preparação da festa pública e finalmente a realização da festa propriamente dita, ou seja, o chamado toque. Preparar o toque inclui cuidar das roupas, algumas costuradas especialmente para aquele dia, que devem ser lavadas, engomadas e passadas a ferro (é sempre uma enormidade de roupas para engomar e passar!); pôr em ordem os adereços, que devem ser limpos e polidos; preparar as comidas que serão servidas a todos os presentes e providenciar as bebidas; decorar o barracão, colhendo-se para isso as folhas e flores apropriadas etc. etc.

Num terreiro de candomblé, praticamente todos os membros da casa participam dos preparativos, sendo que muitos desempenham tarefas específicas de seus postos sacerdotais. Todos comem no terreiro, ali se banham e se vestem. Às vezes, dorme-se no terreiros noites seguidas, muitas mulheres fazendo-se acompanhar de filhos pequenos. É uma enormidade de coisas a fazer e de gente as fazendo. Há uma pauta a ser cumprida e horários mais ou menos previstos para cada actividade, como “ao nascer do sol”, “depois do almoço”, “de tarde”, “quando o sol esfriar”, “de tardinha”, “de noite”. Não é costume fazer referência e nem respeitar a hora marcada pelo relógio e muitos imprevistos podem acontecer. No terreiro, aliás, é comum tirar o relógio do pulso, pois não tem utilidade. Durante a matança, os orixás são consultados por meio do jogo oracular para se saber se estão satisfeitos com as oferendas, e podem pedir mais. De repente, então, é preciso parar tudo e sair para providenciar mais um cabrito, mais galinhas, mais frutas, ou seja lá o que for. Em qualquer dos momentos, orixás podem ser manifestar e será preciso cantar para eles, se não dançar com eles. Os orixás em transe podem, inclusive, impor alterações no ritual. Eles podem ficar muitas horas “em terra” enquanto todos os presentes lhes dão atenção e tudo o mais espera. Durante o toque, a grande cerimónia pública, a presença não prevista de orixás em transe implica o alargamento do tempo cerimonial, uma vez que eles devem também ser vestidos e devem dançar. A chegada de dignitários de outros terreiros, com seus séquitos, obriga a homenagens adicionais e outras sequências de canto e dança. Embora haja um roteiro mínimo, a festa não tem hora para acabar. Não se sabe exactamente o que vai acontecer no minuto seguinte, o planeamento é inviabilizado pela intervenção dos deuses.

Quando se vai ao terreiro, é aconselhável não marcar nenhum outro compromisso fora dali para o mesmo dia, pois não se sabe quando se pode ir embora, não se sabe quanto tempo vai durar a visita, a obrigação, a festa. Aliás, candomblé também não tem hora certa para começar. Começa quando tudo estiver “pronto”. Os convidados e simpatizantes vão chegando num horário mais ou menos previsto, mas podem esperar horas sentados. Então muitos preferem chegar bem tarde, o que pode acarretar novos atrasos. E não adianta reclamar, pois logo alguém dirá que “candomblé não tem hora”. Uma vez, depois de muita espera, perguntei a que horas iria o candomblé realmente começar. A resposta foi: “Depois que mãezinha (a mãe-de-santo) trocar de roupa.” Enfim, o tempo será sempre definido pela conclusão das tarefas consideradas necessárias no entender do grupo, a fórmula: “quando estiver pronto”.

Essa ideia de que o tempo está sujeito ao acontecer dos eventos e ao sabor da realização de tarefas necessárias pode ser observada no quotidiano dos terreiros também fora das festas. Pesquisadores que estão se iniciando em trabalho de campo se espantam muito com a “falta de horário” das mães e pais-de-santo, tendo que esperar horas e horas, se não dias, para fazer uma entrevista que pensavam estar agendada para um horário bem determinado. Clientes que vão ao terreiro para o jogo de búzios ou outros serviços mágicos também podem se sentir incomodados pelo modo como o povo-de-santo usufrui do tempo.

Em 1938, a antropóloga americana Ruth Landes veio ao Brasil para estudar as relações raciais entre nós e permaneceu vários meses em pesquisa junto aos candomblés de Salvador. É muito interessante o relato de seu primeiro encontro com a jovem Mãe Menininha do Gantois, que décadas depois viria a ser a mais famosa mãe-de-santo do Brasil. Marcada a visita, Menininha a recebeu e com ela começou a conversar com muita simpatia. Chegou então uma filha-de-santo que cumprimentou a mãe com todas as reverências, dizendo-lhe alguma coisa em voz baixa. Menininha pediu licença à antropóloga para se retirar um momento, dizendo-lhe que ficasse à vontade e que voltaria em seguida. A tarde se esvaiu, com muita movimentação na casa, muitas pessoas chegando e saindo, mas a mãe-de-santo não voltou à sala. Com o dia já escuro, discretamente, Ruth Landes voltou para seu hotel. Só tempos depois pôde continuar sua conversa com a ialorixá. Soube mais tarde a antropóloga que a mulher que interrompera a entrevista trazia problemas e que a mãe fora cuidar dos rituais necessários para resolver a aflição da filha (Landes, 1967: 86-99). Comentando o episódio, Ruth Landes escreveu: “Durante a minha permanência na Bahia pasmava-me a liberdade que as mães tomavam com o tempo. Menininha não voltou à sala aquele dia e como soube, subsequentemente, sempre se atrasava, sempre demorava. Era um privilégio da sua posição, aceito como natural numa terra de aristocracia e escravidão. Que era o tempo? O tempo era o que se faz com ele e ela estava sempre ocupada” (Landes, 1967, p. 95). O que Landes atribuiu a privilégios numa terra de aristocracia e escravidão era, entretanto, a expressão de uma concepção africana de tempo muito diferente daquela a que estamos habituados por força de nossa cultura europeia.

Para o pensador africano John Mbiti, enquanto nas sociedades ocidentais o tempo pode ser concebido como algo a ser consumido, podendo ser vendido e comprado como se fosse mercadoria ou serviço potenciais – tempo é dinheiro -, nas sociedades africanas tradicionais o tempo tem que ser criado ou produzido. Mbiti afirma que “o homem africano não é escravo do tempo, mas, em vez disso, ele faz tanto tempo quanto queira”. Comenta que, por não conhecerem essa concepção, muitos estrangeiros ocidentais não raro julgam que os africanos estão sempre atrasados naquilo que fazem, enquanto outros dizem: “Ah! Esses africanos ficam aí sentados desperdiçando seu tempo na ociosidade” (Mbiti, 1990, p. 19).

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O candomblé e o tempo

In: “Concepções de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras” por Reginaldo Prandi

Parte I

Diferentes sociedades e culturas têm concepções próprias do tempo, do transcurso da vida, dos fatos acontecidos e da história. Em sociedades de cultura mítica, também chamadas sem-história, que não conhecem a escrita, o tempo é circular e se acredita que a vida é uma eterna repetição do que já aconteceu num passado remoto narrado pelo mito. As religiões afro-brasileiras, constituídas a partir de tradições africanas trazidas pelos escravos, cultivam até hoje uma noção de tempo que é muito diferente do “nosso” tempo, o tempo do Ocidente e do capitalismo (Fabian, 1985). A noção de tempo, por se ligar à noção de vida e morte e às concepções sobre o mundo em que vivemos e o outro mundo, é essencial na constituição da religião.

Muitos dos conceitos básicos que dão sustentação à organização da religião dos orixás em termos de autoridade religiosa e hierarquia sacerdotal dependem do conceito de experiência de vida, aprendizado e saber, intimamente decorrentes da noção de tempo ou a ela associados. Assim, muitos aspectos das religiões afro-brasileiras podem ser melhor compreendidos quando se consideram as noções básicas de origem africana que os fundamentam. Da mesma maneira se pode ampliar o conhecimento sobre valores e modos de agir observáveis entre os seguidores dessas religiões quando consideramos a herança africana original em oposição a concepções ocidentais com que a religião africana teve e tem de se confrontar no Brasil, sobretudo nas situações em que concepções de diferentes origens culturais se opõem e provocam ou propiciam mudanças naquilo que os próprios religiosos acreditam ser a tradição afro-brasileira, seja ela doutrinária, seja ritual. As noções de tempo, saber, aprendizagem e autoridade, que são as bases do poder sacerdotal no candomblé, de caráter iniciático, podem ser lidas em uma mesma chave, capaz de dar conta das contradições em que uma religião que é parte constitutiva de uma cultura mítica, isto é a-histórica, se envolve ao se reconstituir como religião numa sociedade de cultura predominantemente ocidental, na América, onde tempo e saber têm outros significados.

O candomblé de que trata o presente texto é a religião dos orixás formada na Bahia, no século XIX, a partir de tradições de povos iorubás, ou nagôs, com influências de costumes trazidos por grupos fons, aqui denominados jejes, e residualmente por grupos africanos minoritários. O candomblé iorubá, ou jeje-nagô, como costuma ser designado, congregou, desde o início, aspectos culturais originários de diferentes cidades iorubanas, originando-se aqui diferentes ritos, ou nações de candomblé, predominando em cada nação tradições da cidades ou região que acabou lhe emprestando o nome: queto, ijexá, efã (Silveira, 2000; Lima, 1984). Esse candomblé baiano, que proliferou por todo o Brasil, tem sua contrapartida em Pernambuco, onde é denominado xangô, sendo a nação egba sua principal manifestação, e no Rio Grande do Sul, onde é chamado batuque, com sua nação oió-ijexá (Prandi, 1991). Outra variante iorubá, esta fortemente influenciada pela religião dos voduns daomeanos, é o tambor-de-mina nagô do Maranhão. Além dos candomblés iorubás, há os de origem banta, especialmente os denominados candomblés angola e congo, e aqueles de origem marcadamente fom, como o jeje-mahim baiano e o jeje-daomeano do tambor-de-mina maranhense.

Foram principalmente os candomblés baianos das nações queto (iorubá) e angola (banto) que mais se propagaram pelo Brasil, podendo hoje ser encontrados em toda parte. O primeiro veio a se constituir numa espécie de modelo para o conjunto das religiões dos orixás, e seus ritos, panteão e mitologia são hoje praticamente predominantes. O candomblé angola, embora tenha adotado os orixás, que são divindades nagôs, e absorvido muito das concepções e ritos de origem iorubá, desempenhou papel fundamental na constituição da umbanda, no início do século XX, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje, todas essas religiões e nações congregam adeptos que seguem ritos distintos, mas que se identificam, nos mais diversos pontos do país, como pertencentes a uma mesma população religiosa, o chamado povo-de-santo, que compartilha crenças, práticas rituais e visões de mundo, que incluem concepções da vida e da morte. Terreiros localizados nas mais diferentes regiões e cidades interligam-se através de teias de linhagens, origens e influências que remetem a ascendências que convergem, na maioria dos casos para a Bahia, e que daí apontam, no caso das nações iorubás, para antigas e, às vezes, lendárias cidades hoje situadas na Nigéria e no Benim.

A idéia que norteia o presente trabalho é refazer inicialmente essa trajetória, religando a África dos orixás aos terreiros de candomblé de nações iorubás, que podem hoje ser encontrados na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Distrito Federal e outros Estados, para, num segundo momento, procurar entender como e por quê as antigas heranças religiosas vão sofrendo mudanças e adaptações no contexto das transformações socioculturais que modelam o Brasil atual. Embora o texto presente esteja focado na observação do candomblé iorubá, para o qual podemos contar com uma etnografia que permite estabelecer comparações entre o que se observou na África e o que se observa no Brasil, é fato que muitas das conclusões podem ser, em maior ou menor grau, aproximadas para o conjunto das religiões afro-brasileiras, quando não extravasadas para além do universo estritamente religioso, em outras dimensões da cultura popular brasileira.

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O candomblé e o tempo

In: “Concepções de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras” por Reginaldo Prandi

 Parte III

Antes da imposição do calendário europeu, os iorubás, que são a fonte principal da matriz cultural do candomblé brasileiro, organizavam o presente numa semana de quatro dias. O ano era demarcado pela repetição das estações e eles não conheciam sua divisão em meses. A duração de cada período de tempo era marcada por eventos experimentados e reconhecidos por toda a comunidade. Assim, um dia começava com o nascer do sol, não importando se às cinco ou às sete horas, em nossa contagem ocidental, e terminava quando as pessoas se recolhiam para dormir (Mbiti, 1990, p. 19), o que podia ser às oito da noite ou à meia-noite em nosso horário. Essas variações, importantes para nós, com nosso relógio que controla o dia, não o eram para eles.

Cada um dos quatro dias da semana iorubá tradicional, chamada ossé, é dedicado a uma divindade (Ojô Awô, Ojô Ogum, Ojô Xangô, Ojô Obatalá, respectivamente, dia do segredo ou de Ifá, dia de Ogum etc.), regulando uma atividade essencial para a vida de todos os iorubás tradicionais: o mercado. O mercado ou feira funciona em cada aldeia e cidade num dos dias da semana, todas as semanas ou a cada duas, três ou quatro semanas. Até hoje, as mulheres vão vender seus produtos nos mercados de diferentes cidades, fazendo dessa atividade uma instituição fundamental para a sociabilidade iorubá e a regulação do cotidiano. Os iorubás tradicionais reconheciam a existência do mês lunar, mas lhe davam pouca importância, sendo muito mais importantes as épocas de realização das grandes festas religiosas, marcadas pelas estações e fases agrícolas do ano, que eles chamavam de odum. O dia era dividido não em horas, mas em períodos, que poderíamos traduzir por expressões como “de manhã cedo”, “antes do sol a pino”, “com o sol na vertical”, “de tardinha” etc. A noite era marcada pelo cantar do galo.

A contagem dos dias e das semanas era praticada em função de cada evento, de modo que a mulher era capaz de controlar a duração de sua gestação, assim como o homem contava o desenrolar dos seus cultivos, mas sem datação (Ellis, 1974, pp. 142-151). Os iorubás tradicionais consideravam duas grandes estações, uma chuvosa e outra seca, separadas por uma estação de fortes ventos, de modo que cada ano podia durar alguns dias a mais ou a menos, dependendo do atraso ou adiantamento das estações, mas isso não importava, uma vez que os dias não eram contados. Os anos passavam como passavam as semanas e os dias, num fruir repetitivo, não se computando aritmeticamente cada repetição.

Nas cortes dos reis iorubás havia funcionários encarregados de manter viva a memória dos reis, e eles eram treinados para recitar os eventos importantes que marcaram o reinado de cada soberano, mas os episódios não eram datados, fazendo com que a reconstrução recente da história dos povos iorubás não comportasse uma cronologia para os tempos anteriores à chegada dos europeus, vendo-se obrigada a operar com mitos e memórias lançados num passado sem datas (Johnson, 1921).

Como o tempo é cíclico, fatos inesperados são recebidos com espanto. Assim, as ocorrências cíclicas da natureza – por exemplo, as fases da lua e as estações climáticas – são encaradas como acontecimentos normais da vida, mas o que escapa do ritmo normal do tempo é visto com preocupação e medo, como um eclipse, uma enchente etc. O nascimento de gêmeos, que contraria o desenlace normal da gestação, constitui também um fato excepcional.

Os afro-descendentes assimilaram o calendário e a contagem de tempo usados na sociedade brasileira, mas muitas reminiscências da concepção africana podem ser encontradas no cotidiano dos candomblés. A chegada de um novo odum, ano novo, é festejada com ritos oraculares para se saber qual orixá o preside, pois cada ano vê repetir-se a saga do orixá que o comanda: será um ano de guerra, se o orixá for um guerreiro, como Ogum, de fartura, se o orixá for um provedor, como Oxóssi, será de reconciliações, se for de um orixá da temperança, como Iemanjá, e assim por diante. O ossé, a semana, constituiu-se num rito semanal de limpeza e troca das águas dos altares dos orixás. Cada dia da semana, agora a semana de sete dias, é dedicado a um ou mais orixás, sendo cada dia propício a eventos narrados pelos mitos daqueles orixás, por exemplo, a quarta-feira é dia de justiça porque é dia de Xangô. As grandes festas dos deuses africanos adaptaram-se ao calendário festivo do catolicismo por força do sincretismo que, até bem pouco tempo, era praticamente compulsório, mas o que a festa do terreiro enfatiza é o mito africano, do orixá, e não o do santo católico.

Embora o candomblé e outras religiões de origem africana sejam de formação recente, aqui constituídas somente depois das primeiras décadas do século XIX, as datas de fundação dos terreiros, assim como as que marcam os reinados de sucessivas mães e pais-de-santo no início, são desconhecidas. Seus nomes são bem lembrados e seus feitos são cantados e festejados nas cerimônias que louvam os antigos fundadores – o padê nos candomblés mais velhos -, mas nada de datas. Esse passado brasileiro também já se fez mito.

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O Rei de Angola

“Mesmo que a árvore caia, se a raiz estiver viva, brotará”.

É representado por vários símbolos, sendo o mais destacado a bandeira branca presente em todas as casas de Candomblé de Angola. Esta bandeira está ligada ao tempo que os povos bantu eram nômades. Quando decidiam mudar, cultuavam ao Mukisi/Nkisi Kitembo e esperavam o vento soprar na bandeira branca para dar a direção da nova jornada. Também está ligada aos ritos de caça (a maioria dos Mukisi/Nkisi bantu caça, mesmo que por natureza não sejam caçadores).
Quando iam à caça, cada grupo se dispersava na floresta ou na savana. Para se encontrarem e não ficarem perdidos, o caçador chefe (Mutak’lamb’lunguzo/Mutak’lambô/Ngongombira), levantava a bandeira em um bambu bem alto, assim todos se reuniam e voltavam juntos para a tribo com fartura e muita alegria.
Este Nkisi está ligado ao ar, que regula a direção dos ventos, as estações do ano, as épocas do plantio e das colheitas, a reprodução animal, atuando junto das energias do sol e da lua, influenciando diretamente os dias na terra. Também está ligado ao tempo cronológico.
Kitembo é o Nkisi Rei do Candomblé deAngola. Kitembo está associado a escala do crescimento, por isso sua ferramenta é uma escada com uma lança voltada para cima, em referência ao próprio Tempo e à evolução material e espiritual. Tem muita ligação com Kavungo/Nsumbu (seu vento leva as moléstias).
Este Nkisi possui vários tipos de encantamentos que quando tratado corretamente são infalíveis na realização do atendimento dos pedidos.

Características: Deus do tempo.
Saudação: Kitembo dia banganga, talenu (vejam! a divindade do ar, atmosfera) Nzara Ndembwa – Gloria ao Tempo! Kiamboté Tat’etu Kidembu. Kiuá! Eu te saúdo nosso pai Tempo. Salve!
Elemento: Ar.
Símbolo: Gameleira branca (malemba) ou outra árvore, pois é um culto fitolátrico.
Dia da semana: Terça-feira.
Fio de contas: Branco e verde.
Roupa: Branca, verde e cinza e palhas.
Oferendas: Farinha, fumo de rolo, mel e pipoca.
Relacionamentos: Os filhos (as) de Kitembo tem compatibilidade com pessoas de Matamba, kavungo, Hangorô, Katendê e kabila.

Tata Ngunz’tala
Publicado no Jornal Tribuna Afrobrasileira

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A transformação é minha natureza

Esta manifestação divina trata da grande alquimia, transformação e transmutação de tudo que acontece no planeta, mais especificamente ligado à terra. Aqui tudo que nasce depende da terra para viver e mesmo depois, é na terra que acontece a transformação enquanto a vida continua inalterada. Por tudo isso está ligado às doenças e epidemias, além de possuir o poder de levá-las, deixando a saúde em seu lugar.

Apesar de ser conhecido e representado como velho, na verdade retrata a inquietude e a impaciência com a acomodação. Mas claro, sempre se revela cauteloso e discreto. Não tolera as coisas estáticas, pois é necessário transformar constantemente e está em eterno movimento. Não se pode esquecer, porém, do seu carácter vingativo e às vezes inconsequente, quando sua vontade não é atendida. Por isso, todos os anos lhe é oferecido um grande balaio colectivo onde suas comidas predilectas são ali incluídas (pipoca e feijão preto com muito dendê).

Nesta oportunidade, algumas casas, aproveitam para distribuir a alimentação para toda a comunidade. Alguns o tem como pobre e ligado à morte, quando na verdade ele é o Senhor da terra, que a todos mantém, a todos sustenta e tudo transforma em vida.

As kijilas que lhe são atribuídas historicamente no Brasil são tangerina, abacaxi e caranguejo (aranhola).
Suas saudações são: Kavungo mateba kukala kuíza (O pai da ráfia está chegando, eu te saúdo)! Kiuá Nsumbo! Pembelê Tat’etu Kikongo! Salve, eu de saúdo!
Seu dia é a segunda feira.
Suas cores variam do Preto e vermelho e branco ou branco e preto e ainda a rajada de terracota e preto. Também gosta de se adornar com contas feitas com argolas de chifres e muita palha.

Os filhos deste caminho demonstram compatibilidades com pessoas de Tat’etu Kabila, Mam’etu Kaia, Mam’etu Zumba ria ndá (Zumbarandá), Mam’etu Matamba e Tat’etu Lembaranganga.

Tata Ngunz’tala
publicado no Jornal Tribuna Afrobrasileira

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A folha que cura  pode matar

Nesta edição vamos falar desta maravilhosa manifestação divina que chamamos de Katendê. Ele é o senhor das ervas e das curas medicamentosas no panteão afro-bantu-brasileiro. Comanda as folhas medicinais e litúrgicas. É o mestre do mato e o Senhor da medicina fitoterápica e com grandes influencias na homeopatia e nos remédios naturais que reúnem as energias da terra, do sol, da lua e das próprias folhas nos auxiliando nas curas, limpezas, sacudimentos, oferendas e preceitos, por isso, Ele está presente em todos os ritos. Muitas vezes é representado com uma única perna (a árvore só tem um tronco. Para o Negro bantu-brasileiro, que tem seus ritos preservados no candomblé de Angola, Katendê é uma das mais importantes divindades, pois sabemos que o sangue das folhas (nguzu – a força vital) é uma das forças mais poderosas, que fazem nascer o que está por vim. Por isso, toda vez que queimamos uma floresta, desmatamos, cortamos árvores, ou simplesmente arrancamos folhas sem necessidade, estamos violando a natureza e ofendendo seriamente a esta manifestação divina.

Seus filhos devem evitar tangerina, melão e carne moída.
Suas principais saudações são: Katendê mukua-xi-unsaba –  Katendê o habitante das folhas. Kiuá Katendê! – Salve Katendê! Katendê Nganga, Katendê! – Senhor Katendê! e  Kisaba Kiasambuká, Katendê! – Folha Sagrada, Katendê!
Tem como símbolo uma árvore de metal.
Suas contas são brancas rajadas de verde.
Seus agrados preferidos são milho vermelho e mel, fumo de rolo e cachimbo.
Seus filhos tem tendências à vida de eremita (gostam da quietude e do isolamento), mas têm compatibilidades principalmente com Kabila, Kaiala, Angorô, Zumba ria Nda, Matamba, Nsumbo e Lemba ria Nganga.

Kiuá Katendê Nganga!

 

Tata Ngunz’tala

Publicado no Jornal Tribuna Afrobrasileira

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Mutakalambo 

O que é meu é meu. O que não é pode vir a ser

Mtakalambô, Mutak’lamb’ngunzo, Cabila e Ngongombila são nomes que revelam a natureza do caçador e a face divina de Deus como provedor. Essa Divindade é responsável pela manutenção da tribo e ainda tem a função de manter a vigilância noturna nas aldeias garantindo-lhes a segurança. Está ligado a abundância de alimentos na Nzo (casa) de culto, proporcionando a fartura, a alimentação, a bem-aventurança financeira dos filhos de santo e da clientela. Seus filhos costumam ser lépidos, faceiros, altivos e possuem  habilidades manuais e rapidez de  movimentos. São também aventureiros e confiantes.    

Ngongobila é também um exíguo pescador e tem a natureza jovial e bela.

Saudação: Pembelê Tat’etu Mutalambô, Kiuá! Cabila Duilo!!!

Seus símbolos são vários e todos ligados à caça ou à defesa, sendo o mais conhecido o arco e fecha, bem como o embornal e a capanga.

No  Brasil se convencionou o dia de quinta-feira em sua homenagem e suas cores várias do azul celeste ou turquesa ao verde.

A comida ritual mais comum a ele oferecida no Brasil é o milho amarelo cozido e o coco. Também pode lhe oferecer grãos torrados e frutas em abundância.

Salve o caçador dos céus!!!!

 

Tata Ngunz’tala

publicado no Jornal Tribuna Afrobrasileira

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