
Ìyàmì
Uma das mais importantes e perigosas Divindades do Candomblé, a grande mãe ancestral Ìyàmì. Essas grandes senhoras são, sem dúvidas, o maior símbolo do poder feminino da cultura yorùbá.
Antes de tudo, é importante recordarmos que o culto às Mães Ancestrais, chegou ao Brasil, ainda à época da escravidão, sobretudo por meio de Maria Júlia Figueiredo, do Terr…eiro da Casa Branca do Engenho Velho, que possuía dois dos mais importantes títulos nas sociedades femininas yorùbá, o de Ìyálode (chefe entre as mulheres) e Erelu (supremo título feminino na sociedade Ogboni). É muito importante salientar o papel de Maria Júlia Figueiredo (Ìyá Omoniké), para a formação desse culto no Brasil, bem como os seus títulos honoríficos, trazidos da África, pois há quem erroneamente acredite que o conhecimento litúrgico acerca das Ìyàmì seja algo recente no Brasil.
Fato é que nas mais antigas e tradicionais comunidades de Candomblé da Bahia, o culto à Ìyàmì sempre existiu, no entanto, o respeito que existe em relação a essa Divindade fez e faz com que o seu culto seja restrito e não participado à maioria. A evocação dessa importante Divindade em rituais como o Ipade, bem como, os assentos mais que centenários existentes nos tradicionais terreiros, corroboram a constatação desse culto ter sido introduzido no Brasil, juntamente com o surgimento do Candomblé na Bahia.
Ìyàmì é tida como a perigosa feiticeira yorùbá, por isso recebe o nome de Ìyàmì Ajé (minha mãe a feiticeira). O medo e respeito acerca dessa divindade são tão significativos que, o seu principal nome (Osoronga), quase nunca é pronunciado nas Casas de Candomblé. Quando isso ocorre, a pessoa que está sentada se levanta, cruzando a barriga e a nuca em sinal de respeito e reverência. O mesmo ocorre na cerimônia do Ipade, quando as filhas da comunidade cruzam a barriga e nunca, sempre que pronunciado o nome, por completo, da grande mãe ancestral.
O primeiro nome Ìyàmì, que significa “Minha Mãe”, antecede os diversos “apelidos” que são utilizados para mencionar a grande mãe ancestral, tais como o mencionado “Ìyàmì Osoronga” (que não deve ser pronunciado em momentos indevidos), “Ìyàmì Eleye”, “Ìyàmì Ajé”, “Ìyàmì Agba” dentre muitos nomes.
O poder de Ìyàmì é intangível e desmedido, ela é sem dúvida alguma, uma das Divindades mais poderosas do Candomblé e, essa é uma das razões para que as pessoas tenham tanto receio e medo em relação a Ìyàmì. No Ipade, Ìyàmì é louvada por meio de cânticos específicos que enaltecem as suas características e por meio de oferendas que apaziguam a sua cólera, fazendo com que exista o equilíbrio necessário para a realização das festividades.
Em momento algum podemos deixar de lado o perigo existente acerca de Ìyàmì, no entanto, não podemos igualmente deixar de recordar que Ìyàmì, é também, o próprio princípio genitor feminino, a representação máxima da ancestralidade feminina. Muitos dizem, de forma indevida, que Ìyàmì é uma divindade do mal. A verdade é que Ìyàmì jamais pode ser deixada de lado, isso sim desperta a sua cólera e seus aspectos mais perigosos.
Ìyàmì é o maior símbolo da ancestralidade feminina e a maior representação feminina é o ventre, simbolizado na cultura yorùbá pela cabaça (igba) e pelo ovo (eyin adiye). Ìyàmì é a grande dona do ventre, razão pela qual, muitas mulheres com dificuldade de engravidar recorrem a ela, para conseguir realizar o sonho da maternidade. Ìyàmì tem grande poder sobre toda a parte genitora, uma das reverências que as mulheres realizam para Ìyàmì, é justamente tocar a árvore sagrada dessa Divindade com a barriga, em sinal de respeito e clamando por proteção e filhos.
Os terreiros de Candomblé que colocam em suas portas ou assentos de Ìyámì, um pequeno alguidar com ovos e azeite de dendê, estão apaziguando a grande mãe e pedindo para que as intrigas, confusões e discórdias não adentrem ao terreiro. Como já mencionado, o ovo representa o ventre e, por consequência Ìyàmì, o azeite de dendê, diferente do que muitos acreditam, por sua vez, tem o poder de apaziguar, de trazer a calma (eró).
Outro símbolo dessa poderosa Divindade é o pássaro, por isso, ela também é chamada de Ìyàmì Eleye (a mãe dona do pássaro, em especial, a coruja). Aqui em Salvador, é comum se ouvir das antigas egbon do Candomblé que, quando uma coruja (owiwi) canta, Ìyàmì está anunciando a sua chegada o que pode em muitos casos, ser um mau presságio. Quando isso acontece, elas imediatamente cruzam a barriga e a nuca.
Muitas histórias discorrem sobre a ligação das Ìyàmì com os pássaros, com as penas das aves (Mãe poderosamente emplumada). Em uma antiga foto constante no terreiro da casa branca, Ìyá Júlia (Ìyá Lode, Erelu) aparece com uma pena de um pássaro na cabeça, mostrando novamente a sua ligação com o culto dessa Divindade. Ainda hoje, é comum veremos antigas egbon do Candomblé, carregando entre os cabelos, uma pena de pássaro.
Algumas historias de Ifá, ilustram que Ìyàmì tem o poder de se transformar em pássaro, empoleirando-se em algumas árvores como Iroko e Ajanrere. Esse, por sinal, é um dos motivos para que as pessoas não fiquem debaixo da copa de Iroko durante a noite, pois acreditamos que ela se esconde em seus grandes galhos.
Muito embora, grande parte do culto de Ìyàmì é destinada às mulheres, existe a dança de Gèlèdè, realizada por homens. Nessas danças, os homens prestam homenagem à Ìyàmì, com máscaras que simbolizam a própria imagem da Grande Mãe Ancestral. A dança realizada por homens, mostra de forma contundente que a mulher tem o poder da vida, pois todos são gerados no ventre feminino, todos nasceram de uma mulher, sendo fundamentalmente importante se curvar ante à poderosa mãe. No Brasil, a dança de Gèlèdè não perdurou, talvez pelo fato da supremacia da mulher nos terreiros e, ainda talvez, pelo forte culto à Egúngún, os grandes ancestrais masculinos, que diferente do culto à ÌYámì, tem quase que sua totalidade de rituais, liderados por homens.
Todas as mulheres e todas as Divindades femininas – principalmente Òsun, Oba, Yewa, Oya, Nana e Yemoja, possuem uma grande ligação com Ìyàmì. Cada uma dessas Divindades possui uma justificativa que ilustra sua ligação com Ìyàmì, mas o fato de todas serem mães e poderosas em suas sociedades, reflete de forma abrangente esses laços.
No Asè Òsùmàrè, à época das festividades de Òsun, existe um ritual carregado de simbolismo, na qual as mulheres do Terreiro carregam as águas para a árvore consagrada à grande e poderosa mãe. As mulheres do Terreiro, principalmente as Agba, dançam e cantam em homenagem àquela que representa o maior poder da mulher na sociedade Nàgó. Nessa ocasião, a nossa Agba, Mãe Walquíria de Òsun, que possui no Terreiro de Òsùmàrè, o título de Ìyálode, carrega a máscara consagrada à Ìyàmì, evidenciando-nos de forma contumaz a manutenção desse importante culto no Brasil.
Embora seja um ritual interno, realizado diante somente dos filhos da casa, é uma cerimônia muito importante para todos, pois revitaliza a importância da mulher e do poder feminino, remetendo-nos à mais pura essência da nossa cultura ancestral. É fundamental, ainda, pois apazigua os poderes dessas grandes mães, transformando sua energia num poderoso agente de proteção, seja para casa, seja para os filhos do egbe.
Obviamente, esse culto é cercado de segredos que não podem ser revelados aos não iniciados e, em momento algum, podemos esquecer que estamos escrevendo num ambiente que é aberto a todos. No entanto, mesmo com o cuidado de não participar o Awo (mistério) desse culto, nós do Terreiro de Òsùmàrè, esperamos ter contribuído para o esclarecimento sobre essa importante Divindade do Candomblé, Ìyàmì Agba.
Terreiro de Òsùmàrè