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Archive for Novembro, 2010

OS PRIMEIROS TERREIROS DE CANDOMBLÉ
por: Pierre Fatumbi Verger

A instituição de confrarias religiosas, sob a égide da Igreja Católica, separava as etnias africanas. Os pretos de Angola formavam a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo, fundada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Pelourinho. Os daomeanos (gêges) reuniam-se sob a devoção de Nosso Senhor Bom Jesus das Necessidades e Redenção dos Homens Pretos, na Capela do Corpo Santo, na Cidade Baixa. Os nagôs, cuja maioria pertencia à nação Kêto, formavam duas irmandades: uma de mulheres, a de Nossa Senhora da Boa Morte; outra reservada aos homens, a de Nosso Senhor dos Martírios.
Essa separação por etnias completava o que já havia esboçado a instituição dos batuques do século precedente e permitia aos escravos, libertos ou não, assim reagrupados, praticar juntos novamente, em locais situados fora das igrejas, o culto de seus deuses africanos.
Várias mulheres enérgicas e voluntariosas, originárias de Kêto, antigas escravas libertas, pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja da Barroquinha, teriam tomado a iniciativa de criar um terreiro de candomblé chamado Iyá Omi Àse Aira Intilè, numa casa situada na Ladeira do Berquo, hoje Rua Visconde de Itaparica, próxima à Igreja da Barroquinha.
As versões sobre o assunto são numerosas e variam bastante quando relatam as diversas peripécias que acompanharam essa realização. Os nomes dessas mulheres são eles mesmos controversos. Duas delas chamadas Iyalussô Danadana e Iyanassô Akalá, segundo uns, e Iyanassô Oká, segundo outros, auxiliadas por um certo Babá Assiká, saudado como Essá Assiká no padê do qual falaremos mais tarde, teriam sido as fundadoras do terreiro de Ase Aira Intilè. Iyalussô Danadana, segundo consta, regressou à África e lá morreu. Iyanassô teria, pelo seu lado viajado a Kêto, acompanhada por Marcelina da Silva. Não se sabe exatamente se esta era sua filha de sangue, ou filha espiritual, isto é, iniciada por ela no culto dos orixás, ou ainda, se se tratava de uma prima sua. As opiniões sobre o assunto são controversas e tornamse obejto de eruditas discussões, estando porém todos de acordo em declarar que seu nome de iniciada era Obatossí.
Marcelina-Obatossí fez-se acompanhar nessa viagem por sua filha Madalena. Após sete anos de permanência em Kêto, o pequeno grupo voltou acrescido de duas crianças que Madalena tivera na África, e grávida de uma terceira, Claudiana, que será por sua vez mãe de Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, Oxum Miua, da qual tive a insigne honra de tornar-me filho espiritual.
Ianassô e Obatossí trouxeram de Kêto, além dessas filhas e netas, um africano chamado Bangboxé, que recebeu na Bahia o nome de Rodolfo Martins de Andrade, e, no padê ao qual me referi acima, é saudado como Essá Obitikô.
O terreiro situado, quando de sua fundação, por trás da Barroquinha mudou-se por diversas vezes e, após haver passado pelo Calabar na Baixa de São Lourenço, instalou-se sob o nome de Ilê Iyanassô na Avenida Vasco da Gama, onde ainda hoje se encontra, sendo familiarmente chamado de Casa Branca do Engenho Velho, e no qual Marcelina-Obatossí tornou-se a mãe-de-santo após a morte de Iyanassô.
Verifica-se ligeira divergência na versão dada por Dona Menininha relativa às origens dos terreiros provenientes da Barroquinha. O nome de Iyalussô Danadana não é mencionado. A primeira mãe-de-santo teria sido Iyá Akalá (distinta de Iyanassô), que, tendo regressado à África, aí mesmo veio a falecer. A segunda mãe-de-santo teria sido Iyanassô Oká (e não Akalá).
Não se sabe com precisão a data de todos esses acontecimentos, pois, no início do século XIX, a religião católica era ainda a única autorizada. As reuniões de protestantes eram toleradas só para os estrangeiros; o islamismo, que provocara uma série de revoltas de escravos entre 1808 e 1835, era formalmente proibido e perseguido com extremo rigor; os cultos aos deuses africanos eram ignorados e passavam por práticas supersticiosas. Tais cultos tinham um caráter clandestino e as pessoas que neles tomavam parte eram perseguidas pelas autoridades.
Por volta de 1826, a polícia da Bahia havia, no decorrer de buscas efetuadas com o objetivo de prevenir possíveis levantes de africanos, escravos ou livres, na cidade ou nas redondezas, recolhido atabaques, espanta-moscas e outros objetos que pareciam mais adequados ao candomblé do que a uma sangrenta revolução. Nina Rodrigues refere-se a certo quilombo, existente nas matas do Urubu, em Pirajá, “o qual se mantinha com o auxílio de uma casa de fetiche da vizinhança, chamada a Casa de Candomblé”.
Um artigo do Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma reunião na casa Ilê Iyanassô: “Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristovão Francisco Tavares, africano emancipado, Maria salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araújo Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana… que estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamavam de candomblé”. É curioso encontrar nesse documento o nome, pouco comum, de Escolástica maria da Conceição, o mesmo com o qual seia batizada, trinta e cinco anos mais tarde, Dona Menininha, a famosa mãe-de-santo do Gantois, cujos pais, a essa época, sem dúvida, frequentavam ou faziam parte do terreiro de Ilê Iyanassô, onde houve essa ação policial.
Com a morte de Marcelina-Obatossí, foi Maria Júlia Figueiredo, Omonike, Iyálódé, também chamada Erelu na sociedade dos geledé, que se tornou a nova mãe-de-santo. Isso provocou serias discussões entre os membros mais antigos do terreiro de Ilê Iyanassô, tendo como consequência a criação de dois novos terreiros, originários do primeiro; Júlia Maria da Conceição Nazaré, cujo orixá era Dàda Báayànì Àjàkú, fundou um terreiro chamado Iyá Omi Àse Ìyámase, no Alto do Gantois, cuja mãe-de-santo atual, e quarta a ocupar este lugar, é Dona Escolástica Maria da Conceição nazaré, “Menininha”, a última das famosas mães-de-santo da antiga geração. Segundo Menininha, Júlia da Conceição Nazaré, fundadora do Terreiro do Gantois, teria sido a irmã-de-santo, e não filha-de-santo, de Marcelina-Obatossí. Uma personagem importante nos meios do candomblé, chamada Babá Adetá Okanledê, consagrada a Oxóssi e originária de Kêto, teria tido um papel importante quando foi criado o Terreiro do Gantois, Iyá Omi Àse Ìyámase.
Eugênia Ana Santos, Aninha Obabiyi, cujo orixá era Xangô, auxiliada por Joaquim Vieira da Silva, Obasanya, um africano vindo do Recife e saudado Essá Oburô, no Padê ao qual já fizemos alusão, fundaram outro terreiro saído do Illé Iavanassô e chamado “Centro Cruz Santa do Axê de Opô Afonjá”, que foi instalado, em 1910, em São Gonçalo do Retiro, depois do Axê ter funcionado provisoriamente no lugar denominado Camarão, no bairro do Rio Vermelho.
Sob o impulso desta grande Mãe de Santo, o novo terreiro rapidamente igualou – e talvez, mesmo, tenha ultrapassado – em reputação os outros candomblés Kétu.
Maria da Purificação Lopz, Tia Bada Olufandeí, sucedeu, em 1938, a Aninha e deixou, em 1941, o encargo do terreiro a Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora Oxunmiwá, filha espiritual de Aninha Obabiyi.
Pelo jogo complicado das filiações, Senhora era bisneta de Obatossí por laços de sangue e sua neta somente por laços espirituais da iniciação. Em outros termos, Iyanassô Akalá (ou Oká) foi, na geração anterior, ao mesmo tempo, a bisavó e a trisavó de Senhora. As coisas tornaram-se mais complicadas ainda quando Senhora recebeu, em 1952, o título honorífico de Iyanassô, dado pelo Alafin Oyó da Nigéria, por intermédio de uma carta de que tive a honra de ser o portador. Senhora, abolindo o tempo passado, graças a esta distinção, tornou-se espiritualmente a fundadora desta família de terreiros de candomblé da nação de Kétu, na Bahia, confirmando tão elevada posição em 1962, quando foi presidir, seguida de seus Ogans (onde figuravam os colaboradores desta obra, Carybé, Jorge Amado, Waldeloir Rêgo e eu mesmo), o Axexê ou cerimônia mortuária da saudosa, e mais que centenária, Mãe de Santo do Ilê Iyanassô da Casa Branca do Engenho Velho, Maximiana Maria da Conceição, Tia Massi Oinfunké.
Esta dignidade recebida da África por Senhora provocou, diga-se de passagem, comentários e rumores, os “fuxicos”que agitam e apaixonam as pessoas que pertencem a este pequeno mundo, cheio de tradição, onde as questões de etiqueta, de direitos fundamentados sobre o valor dos nascimentos espirituais, de primazias, de gradação nas formas elaboradas de saudações, de prosternações, de ajoelhamentos são observadas, discutidas e criticadas apaixonadamente; neste mundo onde o beija-mão, as curvaturas, as respeitosas inclinações de cabeça, as mãos ligeiramente balançadas em gestos abençoadores representam um papel tão minucioso e docilmente praticado como na Corte do Rei Sol. Os terreiros de candomblé são os últimos lugares onde as regras do bom tom reinam ainda soberanamente.
Após o desaparecimento da saudosa Mãe Senhora, em 1967, duas novas Mães de Santo lhe sucederam à frente do Axê Opô Afonjá. A atual Maria Estella de Azevedo Santos, Odé Kayodê, retornando a tradição de Iyanassô e de Obatossí, foi fazer uma viagem às fontes, na Nigéria e no ex-Daomé.
Após a morte de Senhora, outros terreiros foram criados, originários todos do Axê Opô Afonjá formando uma terceira geração desta família de candomblés que nasceu na Barroquinha. Citemos o Axê Opô Aganju, de Balbino Daniel de Paula, Obaraim, que viajou para África e aí participou das festas para Xangô, com perfeita naturalidade, como se sua família não houvesse deixado aquele país há várias gerações.
Existem numerosos outros terreiros que seguem o ritual Kétu, como o do Illé Mariolajê no Matatu, mais conhecido sob o nome de Alaketu, cuja Mãe de santo atual, Olga de Alaketu, já foi várias vezes à África. Citemos, ainda, o terreiro de Ilé Ogunjá, também no Matatu, do falecido Pai de Santo Procópio Xavier de Souza, Ogunjobí.
Ao lado dos terreiros Nagô-Kétu, há na Bahia os da nação Igexa. O mais digno dentre eles é o de Eduardo Igexa, ou Eduardo Antônio Mangabeira, meio-irmão de Otávio Mangabeira, que foi governador do Estado da Bahia. Durante a década de 50 ele enviou cartas redigidas em perfeito Yorubá a seu distante parente, o Rei de Igexá, que as recebeu de minhas mãos bastante emocionado. Os terreiros Gegê, onde se praticava o culto dos Voduns do Daomé, eram mais raros. O mais conhecido era o do Bogum, da falecida Emiliana Piedade dos Reis, à qual sucedeu a falecida Valentina Maria dos Anjos, Mãe Runhó.
Os cultos Gegê e Nagô se fundiam em terreiros como o de Oxumaré, na Rua Vasco da Gama, dos falecidos Antônio de Oxumaré, Cotinha e Simpliciana.
O ritual dos cultos de origem Bantu era inicialmente diferente das cerimônias Nagôs e Gegês. Misturaram-se, depois, tornando-se bastante próprios. A originalidade destes cultos Bantus é difícil de definir. Não se sabe se os rituais Gegê e Nagô foram ou não influenciados por escravos do Congo e de Angola, já presentes no Brasil em grande quantidade, no final do século XVII. Relações mais constantes estabeleceram-se nos séculos posteriores, entre Bahia e Pernambuco e a Costa dita dos Escravos; a maioria dos cativos desembarcados nestas duas províncias era constituída, então, pelos Gegês e Nagôs (Daomeanos e Yorubás).
Expusemos, em outras obras, as razões comerciais criadas pela presença do fumo na Bahia e em Pernambuco, razões que determinaram a afluência dos Gegês e dos Nagôs a estas duas regiões, a partir do século XVIII, e não às outras partes do Brasil, onde os Congos e Angolas continuaram a ser importados em grande proporção.
A palavra candomblé, que serve para designar, na Bahia, as religiões africanas em geral, parece ser de origem Bantu. É possível que as influências das religiões vindas destas regiões não se restringissem, apenas, ao nome dado às cerimônias, mas tivessem dado aos cultos Gegê e Nagô na Bahia uma forma diferente, em certos detalhes, destas mesmas manifestações na África.
Um estudo em separado do ritual Bantu é tarefa bastante difícil, pois seria necessário fazê-lo em diversos pontos do Brasil, em lugares onde esta influência Gegê-Nagô não se tivesse feito sentir. Na Bahia, temos que nos contentar com a presença de alguns cantos e rítmos de tambores. Seria necessário, também, localizar os termos Bantus ainda conhecidos, termos estes que os participantes de terreiros Bantus têm tendência a exprimir no seu equivalente Nagô, seja por espírito de discriminação, seja para falar numa língua compreensível aos seus interlocutores.
Existem na Bahia o terreiro Congo do falecido Manoel Bernardino da Paixão, o Bate Folha, no bairro de Beiru; o terreiro Angola da falecida Maria Neném do Tumbeuci, também no Beiru, e o de seu Filho de Santo, o falecido Manoel Ciríaco de Jesus, o Tumba Juçara, no Alto do Corrupio, hoje sob a direção da Mãe de Santo Dere.
Destaquemos, finalmente, o caso do falecido Pai de Santo João Alves de Torres, mais conhecido como Joãozinho da Goméa, que deve seu renome ao Caboclo Pedra Preta, e cujo culto, realizado à maneira africana, era dedicado aos ancestrais indígenas, Senhores desta Terra do Brasil. Iniciado no ritual Angola por Jubiabá, Joãozinho for herdeiro de uma Yansã e se orientou, cada vez mais, em direção ao ritual Nagô. Este caso nos parece típico da ascendência exercida pelo ritual Nagô sobre as religiões de etnias diferentes.
Na própria África, as religiões Bantus parecem centradas sobre uma série de devoções aos ancestrais de um grupo familiar reduzido e não sobre o culto de deuses ligados às forças da natureza. É possível que existissem estes tipos de cultos, mas, na Bahia, eles tomaram uma forma bem próxima da concepção Yorubá.

Texto adpatado

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Entrevistado por Bruno Hoffmann para revista Almanaque Brasil, Zulú Araújo, despertou para importância da luta contra o racismo ao ouvir do seu pai, semianalfabeto: “Preto só é gente se estudar”. Mesmo tendo sido sempre o melhor aluno por onde passou, esse baiano não conseguiu escapar da discriminação racial. Logo percebeu que para que a situação do negro pudesse mudar, o País teria também que se transformar. Formado em arquitetura, decidiu fazer do combate ao racismo o seu principal objetivo de vida. Hoje é presidente da Fundação Palmares, entidade governamental que trabalha para incluir o negro de fato na sociedade brasileira. Zulu comemora os avanços das políticas afirmativas, principalmente das polêmicas cotas raciais que, em sete anos, colocaram mais negros em universidades públicas do que em toda a história do Brasil. Mas sabe queo trabalho é árduo, pois, como diz,” nenhuma elite do mundo, branca ou preta, quer perder privilégios”. Diante da urgência em corrigir distorções históricas, conclui: “A sociedade precisa entender que a inclusão dos negros é boa para todos”.

Qual é a gênese do racismo brasileiro? Elê é fruto de um processo complexo. A colonização feita pelos portugueses foi distinta da empreendida por espanhóis e anglo-saxões. A colononização portuguesa se deu, entre aspas, ” dentro da promiscuidade”. Aqui ocorreu o período de escravidão mais longo do mundo: dos nossos 510 anos, 4/5 foram de escravidão. O mesmo que 385 anos, quase 400 anos. É evidente que há uma sociedade conformada dentro do processo escravizador. O Olhar direcionado ao negro sempre o projetou como menor. Primeiro pela cor da pele, de origem africana, e também porque era ele quem trabalhava. A elite portuguesa sempre raciocinou que ser rico e poderoso estava relacionado com o não trabalho, com o ócio, diferentemente do pensamento de outras elites. O racismo foi naturalizado ao extremo. Sempre foi comum o negro ouvir: ” Se comprenda, rapaz. Procure o seu lugar”. nem se davam ao luxo de dizer qual era o nosso lugar. Não era preciso ser dito: era na senzala, na cozinha, como lixeiro, como pedreiro. Esse era o lugar próprio, de subserviência e subalternidade. Quais são os reflexos dessa cultura? No Brasil sempre houve uma escala cromática para se livrar de ser negro. Quando fui tirar minha carteira de identidade, aos 12 anos, e disse queera preto, a moça se recusou a registrar a informação: ” Pelo amor de Deus, você não é preto, não faça uma coisa dessa com você”. No Brasil há essa escala cromática: o branco, o preto, o pardo, o escurinho, o moreninho, o cor de jambo… Nosso racismo não tem nada a ver com a nossa ascendência. É um racismo fenotípico. Quando mais próximo da cor escura, mais excluído. Mas branco é branco. Porque ser branco, no Brasil, é se aproximar do sucesso, da civilidade, da beleza. Tanto que a mulher negra bonita deixou de ser negra e se tornou mulata. É um tipo de racismo muito próprio, então? Sim. E ao enfrentar o racismo, é preciso entender a complexidade do racismo brasileiro. Não podemos responsabilizar os brancos de hoje, mas também não podemos esquecer o passado. É preciso de medidas corretivas capazes de tornar as oportunidades iguais. Aí a condição do negro tem de prevalecer. Nenhum outro pobre foi escravizado no Brasil que não o negro. Italianos, alemães, japoneses…Nenhum.

A escravidão no Brasil foi um processo extremamente inteligente sob o ponto de vista do colonizador. Para enfraquecer a resistência., comoçou-se desagregando a estrutura familiar. Ao chegar ao Brasil, o pai ia para Bahia, a mãe para São Paulo, o filho para o Rio Grande do Sul. Além disso, misturavan-se negros de várias etnias, com estruturas linguísticas totalmente diferentes. Também havia a eliminação do sobrenome, além de uma enorme violência. Diante de tentativas de lutar contra a escravidão, houve processos violentíssimos, como no quilombo de Palmares. Lá 20 mil negros e alguns brancos foram assssinados em 1685 por lutarem bravamente pela liberdade. sabe qual é a dimensão desse número de mortos hoje? Um milhão de pessoas. É o mesmo que entrar numa cidade e matar um milhão de pessoas. Zumbi dos Palmares recebe o mesmo tratamento de heróis nacionais como Tiradentes? Zumbi está na galeria dos heróis nacionais., mas, depois de muita luta. Por muito tempo foi tratado como marginal. Até hoje é celebrado muito mais pelos negros. Defendemos que o dia de Zumbi seja considerado um feriado nacional, coisa que ainda não é, diferentemente de Tiradentes. Uma pessoa que morre por 20 mil pessoas, que fazemde tudo para esconder sua presença na nossa história e continua com toda essa importância 300 anos depois…Sem dúvida se trata de um herói nacional. Falta torná-lo um herói de todos. O Processo de abolição no Brasil foi diferente do de outros países? No Brasil deu-se um processo planejado de exclusão. Depois da abolição houve um incentivo de um movimento maciço de imigração de europeus e asiáticos, apoiados por intelectuais como Nina Rodrigues, que dizia quera fundamental embraquecer o País, pois a majoritária presença negra era vista como responsável pelo apobrecimento da nossa sociedade. Não houve nenhum processo de inclusão do negro após a abolição. nenhum.

Na Bahia, em 1920,havia ádido para negro não ir a escola, porque diziam que os negros promoviam badernas e intranquilidades. isso ocorreu muito recentemente, há menos de 100 anos. Há dados do IBGE e do IPEA que atestam que as assimetrias entre negros e brancos continuaram com a mesma distância, paralelas, de 1888 a 1988. As primeiras mudanças só ocorreram com a entrada do sistema de cotas iniversitárias em 2003. As cotas estão sendo bem-sucedidas? Sem dúvida. A presença dos negros nas faculdades brasileiras sempre foi ínfima. Com as cotas raciais e o ProUni, que existem desde 2003, houve a entrada de mais negros no ensinio superior de que no período entre 1808 e 2002. Por que persiste alguma resistência a esse sistema? Não acho que a população seja contra. Numa pesquisa, 68% das pessoas se declararam favoráveis às cotas. sabe o que um articulista da Folha de São Paulo disse ao comentar a pesquisa? ” Ainda temos tempo de mudar essa situação”.

Apesar de haver um bombardeio nos últimos cinco anos de todos os grandes órgãos de imprensa contra cotas, neste ano a pesquisa deu 66,5% das pessoas continuam favoráveis a elas. Isso não é divulgado. A população não é contra as cotas. Quem é contra é uma classe média alta que se consideram herdeiras divinas dos privilégios e da melhor parte da sociedade. Como está o atual momento de discussão? O debate sobre a inclusão racial é fundamental. As provas são contundentes nesse aspecto. O que ocorreu no leste europeu sobre a questão étnica? Sérvios, Montenegrinos, Croatas e Albaneses se mataram devido a uma questão étina que não foi resolvida. Em Ruanda, Hutus e Tutsis também se mataram. Tudo preto no Branco. Ou a questão étnica é resolvida do ponto de vista cultural e social ou ela explode de maneira trágica e cruel. O que vivemos hoje é um processo de discussão de reflexão e de avanço para superarmos a tragédia de quase 400 anos de escravidão no Brasil. Desfizeram-se alguns mitos? Há dados maravilhosos. Primeiro:destruiu-se o mito de que elas iriam reduzir a meritocracia na universidade. As pesquisas comprovam que a maioria absoluta dos alunos cotistas é superior ou igual à média dos outros alunos. A evasão escolar é menor, mesmo vindo de base mais frágil do que a dos não cotistas.

Praticamente não houve casos de tensão racial nas faculdades. Nada daquilo que se disse que iria acontecer com a entrada dos negros cotistas aconteceu. Todos os medos caíram, além de haver dados excepcionais. Hoje há aproximadamente 400 mil jovens negros no ensino superior, ou seja: daqui a quatro anos teremos esse pessoal disputando o mercado de trabalho com igualdade de condições. Essa é uma norma eficaz de combater o racismo? Sem dúvida alguma. As cotas promovem a ascenção social, fazem a iniversidade refletir sobre a questão. Etambém é muito importante colocar negros em postos de comando da sociedade, fazendo com que esses postos espelhem a nossa composição social. É preciso ter negros médicos, advogados, engenheiros, desembargadores, professores. Eu sou arquiteto, e na minha prifissão 1,8% são negros. Quando estudei em Salvador, há masi de 30 anos, havia dois negros na minha turma. Sabe quantos entraram este ano? 40%. É uma diferença enorme. É evidente que essa inclusão vai alterar as relações sociais, as relações econômicas e as relações políticas. Os brasileiros ainda têm dificuldade de encarar e discutir o racismo? A questão racial no Brasil é um trauma estrutural na sociedade brasileira. O número de negros aumentou de 10 anos pra cá, subiu 52%, mesmo sem aumento vegetativo da população negra. A partir do momento em que se deram condições das pessoas se assumirem como cidadãs, elas foram se assumindo de forma plena como negras. Mas há um preço alto a ser pago com a discussão do racismo para determinada parcela da sociedade. É bom que o Brasil seja considerado com poucos negros, para que a universidade continue com 90% de eurodescendentes. É bom que não se fale muito de negros, para que a faculdade de medicina tenha 98% de brancos. De 200 vagas, 198 são de um público que representa uma minoria no Brasil. Há interesses em torno disso. Se há negros no Brasil, é preciso assumir que seus ancentrais foram vítimas do processo de escravidão dos mais longos da história da humanidade. Aí serão necessárias políticas públicas para superar essa questão.

Com políticas públicas se conclui. Com a inclusão, se estabelece competitividade, processos democráticos de escolha, distribuição das riquezas da sociedade. E nenhuma elite do mundo, branca ou preta, quer perder previlégios. No caso brasileiro, essa elite se confunde com os brancos: a maioria absoluta é formada por brancos que dominam e se apropriam da coisa pública há 500 anos.

Demover esse processo é complicado. Quais são as suas expectativas para os próximos anos acerca das questões raciais? Eu vejo com muito otimismo. Estamos construindo um espaço necessário para reduzir a discriminação no Brasil. É claro que 400 anos não se apagam de uma hora para outra. Mas estamos criando condições de disputar de igual para igual o direito de sermos tratados como cidadãos. Evidentemente, teremos muitos embates, mas também sei que teremos uma oportunidade muito maior de alcançar o que está na constituição: que somos todos iguais, independentemente da cor, raça, religião e origem social. Isso é fundamental.

Eu não desejo que todos no país se considerem iguais. Somos didtintos mesmo. Temos culturas, origens, religiões e pensamentos diferentes. Isso é bom. Não queremos ser melhor ou pior do que qualquer outro grupo brasileiro. Queremos ser respeitdos nessa diferença. O futuro dos negros no Brasil é o futuro da sociedade brasileira. É impossível fazer uma sociedade verdadeiramente democrática sem que haja a superação do racismo e sem inclusão plena do negro na sociedade brasileira. É bom para a sociedade que sejamos incluídos o mais rápidamente possível, para garantir uma sociedade plural, segura, democrática, aberta, diversa. Não será bom, só para os negros, mas para todos.

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