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Posts Tagged ‘Terreiros’

PB27

Para o Ocidente, o futuro é a grande incógnita a ser decifrada, controlada, um tempo a ser planejado para melhor ser usufruído. A esperança sempre se deposita num tempo vindouro para o qual são pensadas as grandes realizações que devem ser introduzidas em prol da felicidade humana. Investe-se no futuro. Olha-se para o passado procurando os erros cometidos e que devem ser evitados no presente para garantir um futuro melhor. A história ensina como agir com sabedoria e responsabilidade em face do devir. Um emblemático mote de Karl Marx diz que na história nada se repete, a não ser como farsa. Para o africano tradicional é o contrário: a repetição é o almejado, o certo, o inquestionável. O novo, o inesperado, o que não vem do passado, é o falso, o perigoso, o indesejável.

O candomblé dos dias de hoje está posto entre esses dois conceitos opostos de tempo. Um e outro remetem a concepções diversas de aprendizado, saber e autoridade. Levam a noções divergentes sobre a vida e a morte, a reencarnação e a divinização. Nesse embate, a religião muda, adapta-se, encontra novas fórmulas e adota novas linguagens. Os orixás ganham novos territórios, conquistam adeptos nas mais diferentes classes sociais, origens raciais e regiões deste e outros países. O que a realidade social das religiões no Brasil tem mostrado é que a religião dos orixás cresce e prospera (Pierucci e Prandi, 1996). Sobretudo se transforma, cada vez mais brasileira, cada vez menos africana. Mesmo o movimento de africanização, que procura desfazer o sincretismo com o catolicismo e recuperar muitos elementos africanos de caráter doutrinário ou ritualístico perdidos na diáspora, não pode fazer a religião dos orixás no Brasil retornar a conceitos que já se mostraram incompatíveis com os da civilização contemporânea. O tempo africano perde sua grandeza, vai se apagando. Permanece, contudo, nas pequenas coisas, fragmentado, manifestando-se mais como ordenador de um modo peculiar de organizar o cotidiano característico de uma religião que se mostra exótica, extravagante e enigmática.

E pouco a pouco o povo-de-santo acerta seus relógios. Sabe que o candomblé deixou de ser uma religião exclusiva dos descendentes de escravos africanos – uma pequena África fora da sociedade, o terreiro como sucedâneo da perdida cidade africana, como ainda o encontrou Roger Bastide quase meio século atrás (Bastide, 1971, pp. 517-518) – para se tornar uma religião para todos, disposta a competir com os demais credos do país no largo e aberto mercado religioso. Uma instituição dos tempos atuais em um processo de mudança que reformula a tradição e elege novas referências, para o bem e para o mal. O tempo é tempo de mudar.

In: “Concepções de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras” por Reginaldo Prandi

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Ilê portas abertas

adura

O Ilê deve ser um espaço de cooperação e partilha. É importante que as pessoas dentro da casa sintam que as suas opiniões e ideias têm alguma importância para a comunidade. Se é verdade que duas cabeças pensam melhor do que uma, então um Ilê devia ser o melhor exemplo disso mesmo. Sacerdotes e sacerdotisas intelectualmente reconhecem que é assim, mas pode ser um pouco mais difícil de aceitar na prática.

Uma das coisas que mais frequentemente se ouve da boca de Pais e Mães de Santo é que eles aceitam opiniões diferentes de pessoas tanto de dentro como de fora da casa. Mas, se isto tem de ser dito tantas vezes, é porque provavelmente não é muito verdade. Frequentemente um Ilê é gerido por um personagem tipo. Uma personalidade que dá pouco valor à opinião de pessoas que são tidas como menos importantes ou com menos status. Assim, para apagar a imagem da realidade em que a opinião das pessoas em geral não é importante, a gerência promove o ideal de uma politica de portas abertas. Talvez fosse tempo de se darem conta da contradição que isto implica.

A filosofia deste modelo de gestão do Ilê manifesta-se como um Ilê em constante convulsão. Alguns membros reconhecerão o facto de que em muitos aspectos eles não são verdadeiros membros do Ilê ou família, mas meras extensões da vontade da gerência. Em consequência, a experiência de pertencer àquele Ilê passará por um estado de constante mudança das pessoas que se sentem insatisfeitas com o “acordo espiritual” que lhes foi atribuído e que mais parece um “acordo comercial”. O seu papel enquanto membros permanecerá uma fracção daquilo que devia ou podia ser.

Mas também conheço casas que operam como uma comunidade de iguais, com pouca hierarquia entre os membros, independentemente do tempo que aquelas pessoas estão já no Ilê, o tempo de iniciados, potencialidades especiais de alguns membros, talentos naturais, ou qualquer outro factor que possa ser usado para separar as pessoas que têm um objectivo comum. A gestão deste modelo de Ilê não cria a necessidade de ter uma politica de portas abertas porque os membros já sabem à partida que as suas opiniões, ideias, e o que eles são como pessoas têm valor e são respeitados. As pessoas sentem-se livres para se expressarem sem a ameaça de sanções, pontos de ordem e outras coisas do género. Os responsáveis por este tipo de Ilê também não receiam perder o controle das pessoas uma vez que o seu objectivo não inclui controlar as pessoas.

A filosofia deste tipo de gestão do Ilê dará lugar a um ambiente em que as pessoas se sentirão bem vindas e respeitadas. Porquanto ter um vasto número de membros não deverá ser um objectivo importante numa casa, os membros deste tipo de casa em especial, com maior probabilidade serão unidos e fortes e permanecerão unidos e fortes.

Como estudantes de Ifá, é do nosso entendimento que Olodumaré é o ser espiritual supremo. Mas quando eu imagino o céu, não vejo Olodumaré sentado num trono, relaxando e sentindo-se superior aos Orixás e ancestrais. Quando estas entidades se reúnem, duvido seriamente que os Orixás passem o seu tempo a enaltecer o ego de Olodumaré e sublinhando a sua devoção. Duvido que os Orixás passem o seu tempo a competir entre eles para determinar a sua posição na ordem hierárquica. Ainda alguém terá de me explicar quais são os Orixás que estão em último lugar na linha de comando. Duvido que alguém me consiga explicar qual das manifestações da natureza é a menos importante ou valiosa. Todos os Orixás têm um trabalho a fazer e todos eles se unem para o levar a cabo. Esta é a comunidade dos Orixás. Isto é espiritualidade. Assim como é no céu devia ser cá em baixo.

Devemos recordar que o ambiente social de um Ilê é directamente indicativo da condição da sua espiritualidade. Obrigar pessoas a submeterem-se às vontades de um, pode parecer um poder atractivo. Mas, a espiritualidade não trata de exercer controlo, superioridade e separação de pessoas que deviam ser reconhecidas como iguais no grande plano das coisas. Não há nada de espiritual num Ilê que pratica a supressão de membros. Pessoas que se unem para o bem da comunidade e da espiritualidade não deviam sentir-se intimidadas por outros membros que até são a cabeça da casa, iniciados mais velhos, ou qualquer outra pessoa.

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  • Olóyè , Ogá e Àjòyè
  • Iyalorixá/Babalorixá: Mãe ou Pai em Orixá, é o posto mais elevado do ILê; tem a função de iniciar e completar o ato de iniciação dos olorixás.
  • Iyaegbé/Babaegbé: É a conselheira ou conselheiro responsável pela manutenção da Ordem, Tradição e Hierarquia. Posto somente dado a egbomis muito antigas.
  • Iyalaxé: Mãe do axé, a que distribui o axé. É quem escolhe os Oloyes de acordo com as determinações superiores.
  • Iya kekere ou baba kekere: Mãe pequena e Pai pequeno do axé ou da comunidade. Sempre pronta a ajudar e ensinar a todos no Ilê, substituto eventual da Iyá ou Babalorixá.
  • jibonan: o cargo de jibonã (ji- dar/bí-nascer/onã-caminho — “dá caminho ao nascimento”,é a mãe ou pai /que cria e são responsáveis pela reclusão do iyawo.
  • Iyamoro: Responsável pelo Ipadê de Exú. Junto com a Agimuda, Agba e Igèna.
  • Iyaefun/Babaefun: Responsável pela pintura dos Iyawos.
  • Iyadagan: Auxilia a Iyamoro e vice-versa. Também possui sub-postos Otun-Dagan e Osi-dagan.
  • Iyabassé: Responsável no preparo dos alimentos sagrados. Todos Olorixás podem auxiliá-la, sendo ela a única responsável por qualquer falha eventual.
  • Iya Sinjé- ligada a Iyabassé nos rituais.
  • Iyarubá: Carrega a esteira para o iniciando. E usa toalha de Orixá no ombro.
  • Aiyaba Ewe: Responsável em determinados atos em obrigações de “cantar folhas”.
  • Aiybá: Bate o ejé em grandes obrigações. Tem sub-posto Otun e Osi.
  • Ològun: Cargo masculino, despacha aos Ebós das grandes obrigações, a preferência é para os filhos de Ogun, depois Odé e Oluwaiyê.
  • Oloya: Cargo feminino, despacha os Ebós das grandes obrigações, na falta de Ològun. São filhas de Oya.
  • Mayê: Mexe com as coisas mais secretas do Axé, ligadas a iniciação do Adoxú.
  • Agbeni Oyê: Posto paralelo a Mayê, divide a mesma causa.
  • Olopondá: Grande responsabilidade na inicição, no âmbito altamente secreto ligado a Oxun.
  • Kólàbá: Responsável pelo Làbá, simbolo de Xângo.
  • Ajimuda: Ajuda a Yamoro com o Ipadê de Exú. Titulo usado no culto de Oya e Geledé, também é um cargo que cuida da casa de Omolú.
  • Iyatojuomó: Responsável pelas crianças do Axé.
  • Iyasíhà Aiyabá: é quem segura o estandarte de Oxalá.
  • Sarapegbé: Mensageiro de coisas civis e de awo.
  • Akòwe: É a Secretária da casa da administração e compras.
  • Babalossayn: Responsável pela colheita das folhas. Cargo de extrema importância.
  • Axogun: Responsável pelos sacrifícios, Ogan de Ogun. Não pode errar. Responsável direto pelos sacrifícios do ínicio ao fim do ato. Soberano nestas obrigações, é quem se comunica com o Orixá para quem se destina a obrigação, transmitindo à Iyalaxé as respostas e mandamentos. Deve ser chamado de Pai. E também possui sub-posto Otun e Osi.
  • Ogalá Tebessê: Dono dos toques, cânticos e danças. Trabalha em conjunto com o Alagbê, possui sub-posto Otun e Osi.
  • Iyá Tebexê: responsável e porta voz do Orixá patrono da casa.
  • Alagbê: Responsável pelos toques rituais, alimentação, conservação e preservação dos Ilùs, os instrumentos musicais sagrados. Se um autoridade de outro Axé chegar ao Ilê, o Alagbê, tem de lhe prestar as devidas homenagens “dobrar o Ilù”. Também possui sub-posto Otun e Osi.
  • Alagbá: Âmbito civil do Axé.
  • Àjòiè: Camareira do Orixá. O mesmo que Ekédi,  Iyárobá e Makota.
  • Ojuoba: Posto de honra no Ilê Xangô e possui sub-posto Otun e Osi.
  • Mawo: Grande confiança.
  • Balógun: Título ligado ao Ilê Ogun.
  • Alagada: Ogan que cuida das ferramentas de Ogun.
  • Balóde: Ogan de Odé.
  • Aficodé: Chefe do Aramefá (6 corpos) ligado ao Ilê Odé.
  • Ypery: Ogan ou Àjòiè de Odé
  • Irànsé- iyá responsável pelo ronkó e o iyawo.
  • Alajopa: Pessoa de Odé, que leva a caça para ele.
  • Alugbin: Ogan de Oxalufan e Oxaguian que toca o Il¦ù dedicado a Oxalá.
  • Assogbá: Ogan ligado ao Ilê Omolú e cultos de Obaluaiye, Nanã, Egun e Exú.
  • Alabawy: Pessoa que trabalha na área jurídica e que cuida dos interesses civis do Axé.
  • Alagbede: Pessoa que trabalha no ramo de ferro e metais e forja as ferramentas do Axé.
  • Elémòsó: Ogan ou Àjòiè de Oxaguian, ligados ao Ilê Oxalá e toda sua indumentária.
  • Oba Odofin: Ligado ao Ilê Oxalá.
  • Iwin Dunse: Ligado ao Ilê Oxalá.
  • Apokan: Ligado ao Ilê Omolú.
  • Abogun: Ogan que cultua Ogun.
  • Iyá Otun / Babá Otun: braço direito do zelador, pessoa de confiança do zelador.
    Iyá Osí / Babá Osí: braço esquerdo zelador, pessoa de confinça mdo zelador.
    Asògbá- Homem responsável pelo quarto de Omolú.
    Axopí- cargo do Ogan da casa
  • Obs: Todos os cargos são intransferíveis, uma vez dado através da confirmação no jogo de Orunmilá e o Orixá da casa, não podem mais serem retirados, os cargos são vitalícios e confirmados em orô interno, só podem serem substituídos na morte da pessoa.Existem cargos transitórios dados pelos zeladores e não estão aqui descritos.
  • Revisão: Fernando D’Osogiyan

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No que diz respeito à relação entre tabus alimentares dos orixás e proibições impostas a seus filhos a partir dos mitos africanos, é compreensível que, devido à proibição de “comer do mesmo material de que a cabeça é feita”, não se deva usar alimento algum que constitui oferenda votiva do orixá dono da cabeça.

O que mais chama a atenção é a universal proibição do sangue. “O sangue”, escreve Lépine (1982, p. 33), “é um poderoso veículo do axé, que deverá restituir aos orixás a força que despendem neste mundo e à qual devemos a existência”. Na matança, sangra-se o animal até a última gota. É através do sangue que, na cerimónia de assentamento, se estabelece a ligação entre a cabeça do iniciado, partes do seu corpo, e a pedra na qual o orixá se faz presente. do mesmo modo que a água, fonte e origem da vida, é repetidamente vertida em todas as cerimónias propiciatórias e iniciáticas, por representar a fluida substancia de toda criação, o derramamento do sangue dos animais de dois ou quatro pés expressa a própria essência do sacrifício, pois junto com o sangue corre a vida. A água é origem, o sangue, circulação. As trocas reparadoras de axé incluem forçosamente, portanto, a realização do sacrifício. Nessa perspectiva, fica obvia a necessidade de proibir-se a ingestão de sangue (sob qualquer forma que seja, e nisso podemos incluir os miúdos, a fressura, sangue “compactado”por assim dizer) aos filhos de tudo quanto é orixá. É substancia por demais poderosa para ser ingerida em situações profanas.

Filho de santo jamais pode comer o que o santo dele come? Ou pode? em que circunstâncias?

Entre muitas, as respostas de S.M.E. são bastante esclarecedoras: “Tudo o que o orixá come faz bem ao filho, tanto que quando ele oferece a comida tem que comer junto, para que ele não se ofenda. Mas às vezes, fora do ilê orixá, é tabu“. Ou seja, o filho deve e não deve comer. Nessa informação, fica claro que a interdição está ligada à situação, ou melhor dizendo, parece que o próprio da proibição é delimitar dois espaços, rigorosamente separados, que o momento do ritual permite juntar, e até mesmo, tornar permeáveis. É pela mediação do ritual, repetido inúmeras vezes no decorrer do tempo, que se abre o espaço sagrado. Na vida cotidiana do filho de santo, é proibido desfrutar as mesmas comidas que alimentam o orixá. Se desobedecer, “faz mal”.

Na casa do orixá, a ingestão de comidas votivas é não apenas permitida, mas sim obrigatória. É imprescindível participar do banquete sagrado. Se, naquele momento, o filho não comer do mesmo material de que sua cabeça é feita, o orixá oferecer-se-á. Ou, como já ouvi dizer, na hora da oferenda, “a gente precisa comer, que é para ele ver que não tem veneno”. esse comentário aparentemente jocoso é bastante elucidativo. Não é somente o ilê orixá, espaço sagrado e portanto preservado, que garante a não nocividade da comida de santo para o iniciado, é também o adepto que, por sua vez, se torna fiador, junto ao orixá, da excelência da comida que lhe é oferecida.

Comer alimentos sagrados como bem sabiam os sacerdotes hebreus, é assegurar a sacralização do próprio corpo. No ilê orixá, o iniciado participa do banquete dos deuses, nutre-se do mesmo material de que é feita a sua cabeça, reforça a sua identidade como parente de determinada divindade. Fora do espaço sagrado, é-lhe proibido ingerir essas mesmas substâncias.

Mas o seu corpo também é um espaço, que pelo cumprimento dos preceitos é constantemente mantido em condições de se tornar receptáculo da divindade. Por isso tem de abster-se de ingerir comidas rejeitadas pelo seu orixá, e até mesmo aproximar-se delas. Quebrar quizila, nessa perspectiva, é praticamente uma autodestruição. Faz mal. A pessoa adoece. Mas, ao mesmo tempo, pode-se aplicar à construção do corpo a mesma visão dialéctica que se foi afirmado com tanta nitidez em relação à construção do mundo. Aqui também a transgressão destrói e reforça limites, de modo realmente tangível, porque passam pelo corpo, e simbólico também, pois redundam na afirmação de identidade mítica.

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arq100_00_01- Cena de candomblé, de Wilson Tibério-1923-2005

Ter poder, e ser de fato detentor de algum poder, são situações distintas em uma comunidade religiosa de Candomblé, isso no meu entendimento. Veja que sempre me refiro ao meu entendimento pessoal, porque o que escrevo é fruto da minha vivência religiosa. Caberia melhor dizer que é fruto da observação dos fatos e situações ao longo dos anos, com pessoas que possuem os mais variados desejos de poder, desde aqueles que rejeitam o poder que lhe é concedido, até aqueles que o desejam muito e intensamente e não medem esforços para conseguir o objectivo.

A utilização do poder e da hierarquia numa Casa de Santo não está escrita em nenhum código explícito de conduta, nem mesmo está escrito de fato; a hierarquia e o poder existem pelo simples fato de ser assim e ponto final.

Porém, são a hierarquia e o poder bem aplicados que mantém o grupo unido em torno de um objectivo ou de alguém, um líder. Mesmo se pensarmos em um trabalho filantrópico, sem fins lucrativos, perceberemos a hierarquia por trás do projecto; há sempre um líder, um catalisador, alguém a quem se prestam contas; e numa Casa de Santo não seria diferente.

O que vejo de problemático neste modelo de hierarquia e poder concentrados em mãos pouco habilidosas para o trato com as pessoas, é o fato dessa hierarquia sacerdotal estar directamente ligada ao status que os postos de zelador, ogan, ekedi ou outro oiê dão a alguns dignatários sem preparo e sem cultura suficientes para exercer estas funções; que lidam directa e diariamente com pessoas, com emoções e sentimentos, com vidas. E, desta forma, o poder se torna um comércio e uma forma de se impor pelo medo.

Para exercer correctamente o poder é necessário, além do “direito conquistado”, ter o reconhecimento e o respeito da comunidade. É necessário ser um líder nato, e não um mero ditador de normas.

Os grandes nomes de nossa religião nem sempre tiveram educação formal completa, mas tinham carisma e sensibilidade. Portanto, a educação a que me refiro nem sempre é a formal, pois educação vem de família e, como somos uma família pergunto:
– Como estamos então educando nossos filhos?

Deve-se ter bem claro em uma comunidade quem é o líder e quem são os liderados. Falo em líder e liderados, não senhores e escravos. Frequentemente se confunde hierarquia com satisfação dos desejos do elemento mais graduado, confundindo liderança com imposição do medo. O bom líder orienta, o mau líder se aproveita da fraqueza do outro para diversos fins.

Como disse antes, em nossa religião não há um código de conduta escrito e formal; cada zelador é livre para fazer ou desfazer o que bem entender da forma como bem entender em sua Casa. Logo, isso leva à formação de entendimentos particulares das noções de respeito à pessoa, e a hierarquia passa a só ter valor quando imposta de cima para baixo e de dentro para fora do grupo detentor do poder, sendo o restante do grupo relegado à condição de mantenedores do “status Real”.

Casos típicos de confusão e de má conduta ética são os zeladores que, não tendo cultura ou educação (inclusive formal), quando empossados no comando de uma Casa não hesitam em tratar as pessoas com total desprezo, principalmente os membros da sociedade civil de maior prestígio que lhes frequentam as Casas.

A mim parece um tanto de preconceito ou revanchismo. São pensamentos retrógrados e arraigados de que, fora da Casa, o filho de santo é um médico ou um doutor, mas uma vez dentro da Casa ele fará o que for ordenado, se humilhará e será humilhado. Esse comportamento, associado à falta de ascensão social e reconhecimento profissional do zelador fora do seu próprio meio social/religioso, cria situações de constrangimento e desagrado, e acabam por excluir muitas pessoas que não compactuam com esse modelo.
Educação talvez seja um bom começo.

Não é porque não há um código de conduta que direccione o comportamento dos graduados que estes podem dispor das vidas, desejos, anseios e liberdades alheios da forma como melhor lhes convier. Somos, no mínimo, pensantes e temos sim direito ao bom e respeitoso tratamento, pois hierarquia e poder não pressupõe opressão.

Pelos motivos acima, creio que o que constantemente leva uma Casa a perder seus filhos e ser reconhecida como um local não muito confiável é a falta de capacidade do seu quadro, do seu staff, que geralmente está mais envolvido em disputas internas e silenciosas pelo poder do que centrado no que realmente importa, que é a educação e crescimento dos membros da comunidade. E, nestas disputas, não se leva em conta a sobrevivência da própria Casa como instituição de amparo aos filhos; não se leva em conta nada, somente a obtenção do poder a qualquer custo ou a manutenção dele.

Como disse anteriormente, há também os que rejeitam o poder. Estes não contribuem em nada e se colocam à margem das disputas, mas também não se posicionam contrários a estas. São como já li em um grande livro “Ogãns de bênção”, referindo-se às pessoas sem compromisso com a Casa. Não fala especificamente sobre os Ogãns, não há nenhum preconceito, refere-se à generalidade dos cargos e do status que eles proporcionam na comunidade, sem no entanto se envolverem profundamente com seus assuntos.

Claro exemplo de dominação pelo medo se dá em uma consulta de búzios ou a uma Entidade, onde o objectivo principal é a busca de soluções e respostas para um determinado assunto, e essa consulta acaba por impor ao consulente uma série de outros assuntos que não são pertinentes, mas que dão status de grande adivinho ao zelador. Refiro-me aos casos como os declarados no próprio blog sobre informações desencontradas dadas por diferentes zeladores a respeito de um mesmo assunto.

Sei que o jogo não é um tomógrafo de última geração, uma máquina programada para dar sempre os mesmos resultados com margens mínimas de erros, mas falo de percepções e de técnicas diferentes em que até o dia em que se consulta o jogo pode ter influência sobre a leitura. Uma coisa não muda em tudo isso, o interesse em ajudar ou ser ajudado do adivinho. O assunto é esse, eu em particular não jogo nem dou consulta, portanto em princípio não deveria falar dos que o fazem, mas, com liberdade para opinar e responsável em conjunto com a Manuela por divulgar a religião neste espaço democrático, não posso omitir este assunto.

Esse é somente um item de um grande arsenal de formas usadas para impor o medo. No jogo/consulta se “vê” que o consulente “precisa urgentemente” fazer ou deixar de fazer, ter ou deixar de ter diversas coisas e é nesse ponto que começamos a diferir o poder de fato do poder imposto. Afinal, amedrontar uma pessoa se utilizando de um jogo ou de uma Entidade para obter vantagens é coisa fácil, o difícil é encontrar pessoas que queiram orientar e cuidar, dar carinho e uma palavra de conforto. Como disse, é difícil encontrá-los, mas graças aos Orixás pessoas sérias também ocorrem em grande número, pois afinal é para isso que são graduados e ocupam seus cargos.

O objectivo deste texto é dizer que o poder deve ser utilizado para colaborar, para influenciar positivamente, para fazer crescer a comunidade e os filhos, portanto devemos, antes de nos entregar de corpo e alma, avaliar cuidadosamente que tipo de poder queremos exercer e a que tipo de poder estaremos sujeitos.

A busca constante da felicidade conduz à felicidade.

Não sei de quem é a frase, mas é bem interessante.

Tomege do Ogum

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Temos que ter muito claro que para falarmos de ética dentro de uma determinada religião o primeiro impulso que devemos ter é de fazermos uma separação entre o que se entende por bem e mal. Ao falarmos da religião de Umbanda e das religiões Afro-brasileiras ou afro-descendentes como preferem alguns, não podemos nos envolver com conceitos cristãos de pecado, haja vista não fazer parte de nosso universo religioso.

Estas religiões, desde que existem, têm normas que lhes norteiam, mas que nem sempre são do conhecimento e observância de seus sacerdotes, pois cada Babalorixá /Iyalorixá ou Dirigente Espiritual cuida de colocar suas próprias normas dentro de suas Casas. Isto ocorre até porque não temos um único Mandatário Supremo, todos são supremos em seus Axés. Porém, isto não impossibilita que todos se unam para zelar pelos “Códigos de Ética” que sempre existiram, muito embora a idéia seja que só agora estamos criando essas normas. Ocorre que para isto todos são chamados a observar e cumprir com essas posturas, passarmos para nossos filhos e simpatizantes aí já estaremos ajudando e muito para que a religião tenha seu lugar de respeito e credibilidade. Como disse, tenta-se por no papel aquilo que na prática já existe e só precisa ser observado.

Vejamos, pois que normas, que códigos devemos observar:

1. É imperativo que dentro da Umbanda e dos Cultos Afro-brasileiros, todos estejam preocupados em manter a tradição religiosa e cultural de seu grupo, sem misturas e enxertos, sem junções e adições absurdas e desastrosas e que estas mesmas religiões deixem de se preocupar apenas com a parte litúrgica, para também se dedicarem ao bem-estar das pessoas, da comunidade como um todo, do país, do mundo, e também que esteja sempre presente a preocupação na preservação do meio ambiente, lembrando que somos uma religião ecológica por excelência.

2. Precisamos aprender a respeitar a nação do outro, pois todos os segmentos têm origem em comum na Mãe África, cultuam Orixá, Vodun, Nkissi, Bacuro, Encantados e Guias que são muito queridos e amados por seus adeptos. O desrespeito à liturgia e ao ritual de cada um incorre num grande mal para toda a comunidade afro-brasileira.

3. Precisamos ter respeito com os mais velhos, com os Agba da religião, com nossos ancestrais. Vêem-se hoje em dia pessoas novas chamando a atenção e querendo ensinar os mais antigos. Se os mais velhos não souberem nada, o que diremos dos novos? Pensamos que se precisa de entendimento e muito diálogo entre as gerações a fim de se tirar o melhor proveito. Mas tudo com seriedade e dignidade.

4. Em todos os grandes eventos (Congressos, Seminários, Encontros etc.), deve-se ter um Cerimonial adequado para se ver “quem é quem”, dando-se as devidas precedências e evitando-se constrangimentos ao se destacar, por exemplo, um filho em detrimento de seu pai. É antiético.

5. Nas festas religiosas (Toques), devemos nos preocupar com nossos convidados e dar-lhes a atenção devida, também fazendo com que todo o Egbé saiba se portar e respeitar. É desagradável chegarmos a lugares onde muitos torcem a cara e ignoram aqueles que com carinho ali estão para prestigiar e participar.

Urge que conversemos com nossos Sacerdotes e adeptos para que não confundam religião com “questões sexuais”. Graças à Avievodum, Olodumare, Zambiapongo, temos uma religião liberal que não nos castra. Entretanto, muitos se aproveitam de seus cargos e postos para desfilarem frustrações sexuais e travestirem nossa Religião colocando-nos em descrédito perante as autoridades e à própria sociedade; Devemos lutar pela união sincera e verdadeira das pessoas interessadas na preservação dos nossos segmentos religiosos.

A discórdia, a desunião, a intriga só enfraquece a própria religião. Cada um deve fazer sua parte, com critérios, com seriedade, com dignidade. Não devemos nos ver como concorrentes, mas como membros unidos de um mesmo corpo. Precisamos acabar com a idéia de que um é melhor que o outro. Para nossos Deuses somos todos iguais. Será, por exemplo, que meu Vodum Toy Azonce só gosta de mim e não gostará de outros seus filhos? Será que Odé, Oxossi, Águè só ama um filho e esquece os outros? Não, certamente que não, o problema é individual, é pessoal, é falta de boa formação, de bom berço; Vamos lutar para que os congressos sejam fóruns de grandes decisões, de momentos de verdadeiras reflexões, de congraçamentos, de bons e felizes reencontros e não que deixemos nossos lares para nos digladiar.

Não devemos confundir pontos de vista diferentes com geração de ódio. Isso não é ético; Vamos valorizar com toda sinceridade as diferentes formas tradicionais dos cultos afros. Lutemos por uma união e não por uma unidade.

Daí o lema da INTECAB que é a “união na diversidade”; Resgatemos a língua de cada culto e devemos usar nossos títulos corretamente. Jamais se deve estimular o absurdo, a invencionice, títulos inadequados. Por exemplo: não é ético chamarmos uma Sacerdotisa de Umbanda de Iyalorixá, pois esta não foi iniciada e nem inicia ninguém. Seu grande valor está em ser uma Dirigente Espiritual, uma digna Babá de Umbanda sem nenhum demérito de seu potencial espiritual e material;

Todos têm o dever de recusar a efetivação de rituais religiosos que firam sua tradição de origem e sejam contrários aos ditames de sua consciência;

É de suma importância zelar pela dignidade da tradição e cultura Afro-brasileira em todos os seus níveis de desdobramentos, sendo este o papel preponderante de todos os verdadeiros Sacerdotes;

Somos todos tradicionalistas: da Umbanda, do Kêtú, do Mina Jêje, do Ifon, da Angola, do Jêje Mahi, do Omolocô, do Nagô Egbá, do Alakêtú, do Mina Nagô, da Encantaria, da Tradição de Orixá ou do Fanti-Ashanti, desde que sigamos nossos rituais e costumes legados por nossos antepassados. Esta é uma postura ética que precisa ser levada em conta;

A exploração que alguns sacerdotes fazem com seus filhos é imoral, antes de ser ética, e precisa de grandes reflexões. Tenta-se criar a idéia de que quanto mais dinheiro, mais axé, e assim torna-se comércio. “Cobrar “salva” ou chão” é entendido como axé, mas exploração é caso de polícia;

Outro tema polêmico e delicado diz respeito à quebra de tabus religiosos, incluindo-se nestes os relacionamentos sexuais entre pais e filhos de uma mesma casa. Comete-se o incesto; Finalizamos abordando a questão do “Jogo de Búzios” antes exercido somente por grandes e sábios sacerdotes e sacerdotisas, de forma extremamente sagrado, e hoje feito em praças públicas, viadutos, feiras esotéricas, shoppings, sem falar no “disque búzios” e “0900”, que tanto entristecem os tradicionalistas.

(Palestra apresentada no 1º Congresso de Cultura Afro-Brasileira, Uberlândia, MG, Set./1999) Toy Vódunnon Francelino de Shapanan

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CandomblŽ

C: Cynthia Britto/ Pulsar

Lic/00 fasc31 pag 11 Hist—ria

Juana Elbein dos Santos escreveu que “devido a vários factores, a cultura Nagô – classificada como Yorubá pela etnologia moderna, proveniente do Oeste da Nigéria, centro e sul do Daomé, composta por grupos Òyó, Egbá, Egbado, Ijexá, Sabé e Ketu – influenciou todas as outras, quer seja a Gegê, proveniente de Daomé e cujos traços culturais são semelhantes aos dos Adjá, Fon, Ghuedá e Jegun, quer seja de origem Bantu”.

Foi, sobretudo nos terreiros que se mantiveram vivos os sistemas culturais herdados.

Os Terreiros

Os terreiros são comunidades de vida em que a visão do mundo Africana se mantém presente e viva; em que a reconstrução Familiar – Clã continua a subsistir e em que a vida comunitária revela os traços culturais dos Africanos.

Todos os membros se encontram unidos na mesma fé, protegidos pelos Orixás, submissos a uma autoridade religiosa e espiritual, na qual uma solidariedade económico-religiosa fundamenta a co-responsabilidade do trabalho.

Os membros estão unidos como uma parte num todo, por laços consanguíneos de iniciação e por referências a um mundo acompanhado pelos ancestrais.

A autoridade espiritual e moral é concentrada nas mãos dos “pais” ou “mães de santo”, chamados também de “Babalorixás”ou “Yalorixás”. O nome “mãe” e “pai” significa aqui que os adeptos aceitam uma segunda educação pelas mãos de pessoas significativas nas suas vidas. A educação numa nova vida, após serem iniciados no Candomblé.

Cabe aos chefes do terreiro presidir às cerimónias religiosas, receber os convidados, raspar a cabeça dos iniciados, supervisionar os rituais e apontar os novos iniciados.

A estrutura do Candomblé inclui duas categorias de pessoas: os iniciados propriamente ditos e os titulares, pessoas executivas e honoríficas. Os primeiros percorrem todo o processo formal de iniciação, do aspirante ao supervisor religioso do terreiro.

Há também um grupo ligado à hierarquia do terreiro, mas que não recebe (incorpora) as divindades. São as Equedes, consagradas ao serviço dos santos e atentas às filhas de santo quando estão incorporadas.

O segundo grupo, propriamente dito, é representado pelos “Ogãs”, pessoas que exercem um cargo executivo e honorário no Candomblé. Contribuem para solucionar problemas jurídicos e formam um corpo selecto de prestígio.

Os terreiros gozam de uma certa autonomia, mesmo que haja um relacionamento entre si. A autonomia é fonte de prestígio.

A adesão ao candomblé é um processo complexo, paulatino e que envolve um aprendizado minucioso de códigos religiosos que, é possível dizer, começa na iniciação. Tal aprendizado dá-se no âmbito das relações do grupo do terreiro ou da comunidade do “povo-de-santo”.

É também regulado pelo tempo de iniciação que, situando o iniciado dentro de uma estrutura hierárquica precisa, delimita posições e papéis. Assim, a inserção do indivíduo na comunidade vai sendo feita através da acumulação dos fundamentos religiosos que estabelecem o tipo de relação do indivíduo com seu Orixá e com os demais membros do culto. De uma forma simples, no Post anterior apresentei as principais posições e funções hierárquicas dentro do Terreiro ou Ilê, e abaixo recordo então, em ordem decrescente essa mesma hierarquia.

  1. Yalorixá ou Babalorixá: A palavra Iyà do Yorubá significa mãe, Bàbá significa pai.
  2. Iyaquequerê: Mãe pequena, a segunda sacerdotisa.
  3. Babaquequerê: Pai pequeno, o segundo sacerdote.
  4. Iyalaxé (mulher): Cuida dos objectos do ritual.
  5. Agibonã: A Mãe criadeira, supervisiona e ajuda na iniciação.
  6. Ebômi: Ou Egbomi, são pessoas que já cumpriram o período de sete anos da iniciação (o nome significa: meu irmão mais velho).
  7. Iyabassê: (mulher): Responsável pela preparação das comidas-de-santo
  8. Iaô: Filho-de-santo, iniciado, mas não tem um cargo atribuído, participa nos rituais (já incorpora Orixás).
  9. Abiã ou Abian: Novato. É considerado Abiã aquele que entra para a religião após ter passado pelo ritual de Lavagem de Contas e o Bori. Poderá ser iniciado ou não, vai depender do Orixá pedir a sua iniciação.
  10. Axogun: Responsável pelo sacrifício dos animais. (não entram em transe).
  11. Alagbê: Responsável pelos atabaques e pelos toques. (não entram em transe).
  12. Ogâ ou Ogan: Tocadores de atabaques (não entram em transe).
  13. Ajoiê ou Ekedi: Camareira do Orixá (não entram em transe).

Nota: Quando se diz que “não entram em transe”, não quer dizer que essas pessoas não tenham essa capacidade. Apenas que, para o desempenho das suas funções, não o podem fazer.

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