
João Alves de Torres Filho, Joãozinho da Goméia, Tata Ria Inkice (Babalorixá) do Candomblé Bantu de Nação Congo-Angola, que nasceu em Inhambupe, Bahia, no dia 27 de Março de 1914 e faleceu em São Paulo, no dia 19 de Março de 1971.
Existem muitas histórias sobre Joãozinho da Goméia.
De família católica, mas Joãozinho da Goméia foi “feito”, no dia 21 de dezembro de 1931, no Terreiro de Severiano Manoel de Abreu, conhecido como Jubiabá, nome do seu Caboclo.
Joãozinho da Goméia, recebia como porta voz do Inkice (Orixá), o Caboclo Pedra Preta. Caboclos são espíritos encantados, originários das religiões indígenas, que incorporam para dar mensagens pelos Inkices (Orixás).
Com a morte do seu Zelador de Santo, o Tata Ria Inkice Severiano Manoel de Abreu, Jubiabá, “refez o santo” em 1966, no Terreiro do Gantois com Mãe Menininha, passando da Nação Angola para Nação Ketu.
O certo é que Joãozinho da Goméia foi um homem não só adiante de seu tempo como também dono de um projeto particular de ascensão social e religiosa, buscando a diferença como dado de divulgação de si mesmo e sua “roça”: mulato que alisava os cabelos por vaidade, sem se preocupar com a polêmica de poder ou não colocar ferro quente na cabeça de um iniciado no santo; homem que não se envergonhava de ser homossexual na homofóbica Bahia do início do
século XX; babalorixá que afrontava os princípios de que homens não podiam “receber” o Orixá em público, tornando-se famoso pela sua dança; incorporava ao Candomblé a entidade indígena do Caboclo Pedra Preta; adepto de Angola, numa cidade dominada pela cultura jeje-nagô; babalorixá
jovem, numa cultura dominada por ialorixás mais velhas o que, segundo seus filhos-de-santo, ativou o despeito das mães-de-santo tradicionais da Bahia.
Também sua ascensão precoce era mal-vista no mundo do candomblé, onde a idade avançada é considerada um atributo importante para a escolha dos sacerdotes e a própria Menininha do Gantois sofreu resistências por causa disso, quando assumiu a chefia do seu terreiro aos 26 anos de idade.
Lendas à parte, o caso é que as ialorixás mais tradicionais não sabiam como encarar as novidades trazidas por Joãozinho.
Joãozinho da Goméia era muito autoritário e enérgico com seus “filhos de santo”.
Seu primeiro terreiro foi num bairro chamado Ladeira de Pedra, mas logo foi para o local que o tornou famoso, a ponto de incorporar o endereço ao próprio nome: Rua da Goméia.
Lá, tocava indiferentemente Angola e Keto, o que contribuía para aumentar o escândalo em torno de seu nome.
Em 1948, despediu-se de Salvador com uma festa no Teatro Jandaia, apresentando ao público pagante danças típicas do Candomblé, escândalo final para adeptos baianos, e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde abriu casa na Rua General Rondon, nº 360, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense.
Nesse endereço a lenda em torno de Joãozinho da Goméia só fez aumentar, atendia políticos, embaixadores, consules, o próprio Getulio Vargas e a sogra de Juscelino Kubitschek, além de artistas como Ângela Maria, na época a “Rainha do Rádio”; tudo isso fez com que passasse a freqüentar a imprensa.
O próprio João nunca revelou os nomes de seus filhos ou clientes; seus filhos-de-santo que espalharam essas notícias, orgulhosos do status da casa de seu pai.
“Costas quentes” ou não, o caso é que Joãozinho nunca teve seu terreiro invadido pela polícia, nem jamais foi preso, ao contrário de Mãe Menininha, que teve registradas duas passagens pela polícia, acusada de “tocar Candomblé”.
Diz a lenda que Joãozinho até mesmo chegou a fazer despacho para Exu em plena Praça XV.
O caso é que tornou-se o primeiro “pai-de-santo” realmente conhecido no Brasil.
Sabia do poder da imprensa e manteve relações com publicações importantes como a revista O Cruzeiro, deixando-se fotografar com os trajes dos Orixás.
Em 1956, João participou do carnaval vestido de mulher.
O assunto rendeu uma polêmica terrível com outros babalorixás e chefes de terreiros da Umbanda.
João defendeu-se através d’O Cruzeiro, reivindicando seu direito ao livre-arbítrio e
declarando que jamais permitiria que qualquer outro pai ou mãe-de-santo se intrometesse em sua vida.
Participou de shows no Cassino da Urca, apresentando as danças dos Orixás, sempre unanimemente considerado um bailarino de raras qualidades.
Chegou a participar do filme “Copacabana moun amour”, de Rogério Sganzerla, no papel de um “pai-de-santo” que faz um ebó na atriz Helena Ignez.
Teve inúmeros “filhos-de-santo”, principalmente no eixo Rio- Santos, inclusive em Casas de Candomblé em Ilhabela..
Chegou a fazer um barco com 19 iaôs, façanha lembrada por todos, dada sua extrema dificuldade de realização.
Apesar das brigas com as alas mais conservadoras da religião, eis porque Joãozinho da Goméia é considerado um dos maiores divulgadores da religião dos Orixás no Brasil.
Em 1966, outro momento repleto de contradições: João voltou à Bahia e deu “obrigação” com Mãe Menininha do Gantois.
Segundo a Iyalorixá Mãe Tolokê de Logunedé, “foi fazer a obrigação dele; tirar a mão de Vumbi e fazer bodas de prata … Depois, ele fez a festa no Rio de Janeiro, para os filhos-de-santo que não puderam ir à Bahia.”
Ainda segundo seus filhos-de-santo, Joãozinho da Goméia não apenas fez sua obrigação com Mãe Menininha como foi o primeiro homem que ela permitiu que vestisse o Orixá e dançasse em público “virado” no santo.
Para entender a importância desse ato (mesmo que apenas mais um aspecto da lenda) é preciso ler em Ruth as restrições que Mãe Menininha fazia quanto à apresentação pública de homens em transe.
Porém, é fato que, embora o próprio Joãozinho da Goméia até o fim da vida continuasse tocando tanto Angola quanto Keto, a partir desse momento passou a insistir com seus filhos-de-santo para que seguissem uma orientação única, optando entre o Candomblé Keto ou o Candomblé de Angola.
Joãozinho da Goméia morreu em São Paulo, dia 19 de março de 1971, no Hospital das Clínicas (Vila Clementino), durante uma cirurgia para retirada de um tumor cerebral, e após uma parada cardíaca.
Foi sepultado em um cemitério de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, num dia em que uma chuva de proporções míticas caiu sobre o Rio de Janeiro, exatamente na hora em que seu ataúde baixava à sepultura.
Para os adeptos, uma manifestação de Iansã recebendo seu filho, que culminou com muita gente “virando no santo” em pleno cemitério, a passagem foi relatada na revista O Cruzeiro.
O Terreiro da Goméia do Rio foi vendido para uma incorporadora, que no local construiu um prédio.
Os assentamentos de Joãozinho da Goméia foram transferidos para uma nova Goméia, em Franco da Rocha, São Paulo, onde os ibás de seu Oxossi e de sua Iansã estão sendo devidamente cuidados e “alimentados”, e podem ser visitados pelos adeptos que fazem parte da “família de santo”.
Referências:
História de Joãozinho da Gomeia por Andréa Nascimento.
Michel Dion. Omindarewa Uma francesa no candomblé, Editora Pallas
Cossard, Giselle Omindarewá, Awô, O mistério dos Orixás. Editora Pallas.
Foto: Joãozinho da Goméia, capa da revista “O Cruzeiro”.
Facebook: Lavinia Pagh
Estória fantástica.