
Nos últimos 100 anos, o Brasil e a África têm compartilhado uma série de informações acerca do culto aos “Deuses africanos”, “Heróis divinizados”, Orixás, Jinkissi, Vodun etc., em busca de um purismo religioso que, pregam os mais tradicionalistas, resgatam as verdadeiras raízes da religiosidade.
A África e a América do Sul já compartilham muitas coisas há muito tempo, inclusive suas terras durante milhões de anos. Muitas das plantas e animais de ambos os continentes são semelhantes, seja por que são aparentadas, pertencentes à mesma família, segundo a ciência, ou por que evoluíram para exercer a mesma “função” em seu meio ambiente, um fenômeno chamado de “evolução convergente”.
Como se não bastasse as culturas se misturarem pelo vai e vem das naus há quinhentos anos, às vezes nem se sabe direito o que é originalmente africano, americano, europeu, oriental etc, e em se tratando do Candomblé e do uso das ervas, ainda mais!
Muitos dos vegetais que utilizamos em nossos rituais mais sacramentados não são africanos de origem, e sua inserção no culto aos Orixás tem origens e histórias das mais diversas. O Boldo vem da cordilheira dos Andes, o Abacaxi é sul-americano e Brasileiro por excelência, a Lavanda, a Alfazema, o Manjericão e o Alecrim são Europeus, a Mangueira vem da Índia, a Colônia é Tailandesa, a Maria-sem-Vergonha e o Quebra Pedra, por mais comuns que sejam por aqui, são verdadeiramente africanos, já o Caruru e o Mulungu, existem espécies tanto africanas quanto americanas, e o coqueiro vegeta espontaneamente em litorais de todo o planeta há milhares de anos.
Talvez o exemplo mais dramático seja o Milho. Todo iniciado logo aprende que um bom Acaçá agrada a todos os Orixás, e que poucas coisas agradam mais a Obatalá do que o Ebo feito com canjica, cujos grãos mais brancos foram escolhidos um a um e bastante cozidos, até ficarem bem macios, assim como sabe que pipocas são a principal oferenda à Obaluaiê, ainda mais quando estouradas na areia das praias.
No entanto, essas iguarias não são feitas com um grão vindo de uma planta originária da África. O Milho é uma gramínea, parente dos Capins, Bambus e Gramas, e é a forma doméstica do Teosirito, um matinho que, se olhar de relance, acha que é capim qualquer, que foi selecionado e desenvolvido há pelo menos 5 mil anos atrás pelas avançadas civilizações que habitavam a região aonde, hoje, é o México, e seu cultivo foi espalhado pelos indígenas por todo o continente americano, do Canadá ao Chile, e ilhas do Caribe. Foi levado para as colônias europeias na África após o “descobrimento”, há “apenas” uns 500 anos.
Se o culto aos Orixás, Voduns e Jinkisi tem milhares de anos, é improvável que o Acaçá sempre tenha sido como o conhecemos hoje, que os primeiros Ebó oferecidos a Obatalá fossem feitos de canjica e, nas lendas milenares de Obaluaiê, tenham se ofertado pipoca de milho. O Inhame substituiu o milho branco em muitas de suas atuais aplicações e o Sorgo, um grão pequeno, nativo do Oriente médio e cultivado por todo norte da África, muito provavelmente produziu pequenas pipocas oferecidas ao longo dos séculos.
O Africano entende o culto de uma forma pouco diferente da nossa, mais dinâmica e abertos às novidades, às oportunidades e ao progresso de sua sociedade, sem abandonar sua essência. Poderia citar vários precedentes, como o uso do rifle, que só surgiram no mundo ocidental por volta do século 15, como uma das representações mais importantes de um dos mais antigos sistemas oraculares do mundo, o Ngombo dos povos Bantu, sobretudo a etnia Tchokwe. Essa mesma dinâmica aplicou-se ao negro quando escravizado nas Américas, que aproveitou o que havia em mãos para continuar com seus rituais. Um bom exemplo é o Teteregun!
A planta original, o Teteregun (para os Yorubá) ou Muengi Mujolo (para os Bantu, dentre outos nomes) é conhecido pela ciência como Costus spectabilis, nome e sobrenome, ou melhor, gênero e espécie. Nas Américas, uma prima próxima, Costus spiralis, substituiu o Teteregun tão bem que a pequena diferença no aspecto da floração nem foi considerado, até por que as qualidades medicinais, o odor e o sabor das folhas quinadas são praticamente iguais aos de sua prima africana.
Para complicar ainda mais a equação, diversas etnias africanas foram espalhadas por toda a imensidão do Brasil, aonde tiveram contato não apenas umas com as outras, mas com indígenas de etnias diferentes e também diferentes espécies e variedades de plantas. O resultado é que muitas dos nomes aos quais nos referimos as ervas que usamos em nosso culto designam diversas espécies de plantas diferentes, muitas vezes sequer aparentadas. O que se chama de Inhame é conhecido como Cará no Sul e Sudeste, e vice-versa no restante do país. Um é uma trepadeira africana, Dioscorea sp.*, o outro é uma planta de raízes tuberosas nativa dos pântanos do extremo oriente, Alocasia sp.*. O Orinrin de Oxum ou Ewe Rinrin pode designar a Erva Jabuti, Peperomia pellucida, a Alfavaquinha de Cobra, Monniera trifolia, ou a Serralha, Sonchus oleraceus, plantas completamente diferentes, mas com qualidades medicinais bastante semelhantes, por mais improvável que isso possa parecer.
O critério utilizado para rebatizar espécies de plantas, em muitos casos, não se baseia na semelhança física como aconteceu com o Teteregun, e sim nas qualidades medicinais e, por que não dizer, no Axé que cada folha carrega e como ela responde às rezas feitas em sua intenção. Não há dados específicos, mas provavelmente os primeiros dirigentes testaram as folhas que encontravam para avaliar se poderiam utilizá-las em substituição às folhas originais que encontravam na África.
Por isso quando receber uma lista de ervas que você precisará providencias para um ebó, sacudimento, bate folha ou outro ritual, e se deparar com fotos e informações de diferentes tipos de plantas por aí, converse com os mais velhos e conheça qual é a planta a que eles se referem especificamente. Isso é muito importante, pois plantas muito parecidas podem ter resultados completamente diferentes e até mesmo perigosos.
Conheci uma filha de Obaluaiê que passou um banho para um consulente no qual iriam algumas folhas de Guiné. O problema é que a Guiné é basicamente tóxica, e dentre as diversas espécies que chamamos de Guiné, algumas são mais venenosas que outras. Esse consulente acabou usando uma das variedades mais tóxicas e em grande quantidade, e teve uma séria reação alérgica que gerou pústulas por todo o corpo e alguns dias de internação, o que deu um trabalho danado a todos do ilê, não apenas em rezas e acompanhamento dessa pessoa, mas por que receitar compostos de ervas, sobretudo para uso interno (beber ou comer) caracteriza crime de prática de medicina ilegal, pena de três a seis anos de cadeia e uma multa bem pesada! Por misericórdia de Oxalá, tudo deu certo nesse caso.
O conhecimento e o uso das folhas em nossa religião é essencial e fascinante, mas exige grande responsabilidade. Saber reconhece-las é um aprendizado essencial. Como boa parte dos mistérios em nossa riquíssima religião, desvendá-los leva algum tempo e muita dedicação.
* O termo sp. é usado, dentre outras aplicações, para denominar um grupo de diversas espécies que são classificadas no mesmo gênero e recebem a mesma denominação popular.
Texto: Alexandre Avari – ( Bizziboy o babalosanyin do blog )
Ègbé,
É com muita satisfação que publico esse texto do nosso irmão Bizziboy, que está sempre por aqui nos ajudando a tirar as dúvidas de muitos leitores sobre o uso correto das ervas, a liturgia das folhas, a essência contida em cada informação, desmistificando tabús e reorganizando cientificamente. Não se receita nada sem antes ter o conhecimento do uso correto e sua farmacologia.
Adupé o.
Ola Baba Fernando, muito obrigado pela oportunidade!! Mas babalossaniyn, quem me dera!! Hahahahahahahaa!!
Meus irmãos e irmãs, espero que gostem do texto e que possa lhes ajudar!!
Motumba!!
Boa tarde,
O texto é muito rico, centrado, responde a algumas inquietações minhas quando diz:
Se o culto aos Orixás, Voduns e Jinkisi tem milhares de anos, é improvável que o Acaçá sempre tenha sido como o conhecemos hoje, que os primeiros Ebó oferecidos a Obatalá fossem feitos de canjica e, nas lendas milenares de Obaluaiê, tenham se ofertado pipoca de milho. O Inhame substituiu o milho branco em muitas de suas atuais aplicações e o Sorgo, um grão pequeno, nativo do Oriente médio e cultivado por todo norte da África, muito provavelmente produziu pequenas pipocas oferecidas ao longo dos séculos.
Sempre achei estranho, se o milho é nativo das terras americanas,como é se oferece a Osoosi; o milho branco a Obatala… Os nossos ancestrais negros só tiveram conhecimento desse tipo de vegetal milhares de anos mais tarde. Mas, agora tá explicado, assim como outros procedimentos, o reino vegetal também foi ressignificado.
Parabens pelo artigo, porque como vc diz é fascinante este tema. Eu mesma ja publiquei alguns textos, mas o tema é interminavel porque as ervas são milhares e estão se perdendo com a expansão das cidades. Ainda bem que ja tem um movimento de replante dessas ervas em reservas particulares. Vamos preservar nossas ervas preciosas.
De fato um dos melhores textos que li sobre a temática. Sua riqueza de informações compete com sua capacidade de uma linguagem simples… Parabéns!!!!
Boa noite.
Mojuba Babá Fernando, agradeço ao bizziboy pelo rico conteúdo e com algumas das minhas dúvidas tiradas. Tenho muito interesse nas folhas e de acordo com que os anos passam, minha necessidade de aprendizado aumenta. Hoje tenho um conhecimento básico e sou responsável pelas sassanhas na casa de asé que faço parte. Por esses e outros motivos meu interesse é mútuo.
Por fim, gostaria de saber se existe algum tipo de livro que um de vocês recomendam para leitura relacionado às folhas. Hoje tenho o livro “Ewé – O uso das plantas na sociedade Iorubá”, mas ele apresenta algumas coisas que infelizmente creio que eu precise de um conhecimento mais solidificado para reler o mesmo e entender as coisas de outra forma.
Por fim, ficarei feliz se puderem compartilhar alguns livros nos quais possa adquirir para um estudo mais aprofundado.
Asé irê!
Olá Marcelo,
O livro EWE do Pierre Verger é bem avançado, mas é excelente e diria que cobre o básico do uso geral numa roça de Candomblé. Dificilmente se usará uma erva que não está descrita nesse livro. Os detalhes, é o dia a dia, pesquisa e observação.
Mas sim, tem alguns livros bem legais, acrescentam bastante, mas já aviso, há informações contraditórias e diferentes entre eles, vale o bom senso nesses casos
OSSAYN, O ORIXÁ DAS FOLHAS de Fernando Portugal
A FLORESTA SAGRADA DE OSSANIM de Jose Flavio Pessoa de Barros
ERVAS, RAÍZES AFRICANAS de Ornato José da Silva
RITUAIS COM ERVAS de Adriano Camargo
Motumbá
Bizziboy,
Tem também: Ewé Òrìsà – Uso litúrgico e Terapêutico dos Vegetais na Casas de Candomblé Jêje-Nagô.
José Flávio de Barros e Eduardo Napoleão – Editora Bertrand Brasil.
Axé.
Olá Bizziboy e Fernando, muito obrigado pelas dicas e recomendações. Vou com certeza comprar quando possível para realizar alguns estudos. Como você mesmo disse, é o dia a dia, pesquisas e observação. O que lemos hoje pode ser interpretado de maneira diferente quando lemos amanhã.
Estou fazendo algumas pesquisas enquanto o babálorixá de meu Ilê está viajando a trabalho e quando ele estiver de volta, vou rever todas as anotações dos livros com ele.
Agradeço imensamente a vocês.
Asé irê!
Bizzy o livro Ewe, muitas das vezes trazem receitas onde é imprescindível a presença de um babalawo, pois, o Odù invocado deve ser “tefado” (marcado) no Opon e soprado em cima da magia (oògun). Se assim não for feito tudo se perde.
Então temos que ter muito cuidado com esse livro, que tem relação quase que especifica com o culto de Ifá.
Ire alaafia.
Sua Benção Babá Odé O’Laigbo!
CERTAMENTE!! Os ebós que o livro menciona são belíssimos e muito bem fundamentados pela perspectiva do livro, mas é necessária competência específica para fazê-los com propriedade! Não é para aventureiros, definitivamente!
Mas a galeria de plantas desse livro, isso sim vale demais a pena ler e aprender! E nesse quesito, é interessante ver as combinações de ervas e elementos!
Na verdade, pessoalmente, ler o último capítulo, as ervas, e depois o restante do livro, funciona bem melhor para um entusiasta do estudo das ervas!
Motumbá!!
[…] Fonte: https://ocandomble.com/2016/02/17/a-dinamica-do-uso-de-ervas-no-candomble/ […]
Bizziboy, (confere?)
Embora todos estejam conscientes dos efeitos negativos do tabagismo, parar esse hábito é um um grande desafio para a maioria.
A nicotina é uma das principais razões pelas quais pessoas continuam fumando, pois ela é substância do cigarro responsável pela dependência.
Depois de alguns cigarros, o corpo se acostuma com nicotina e torna-se incapaz de funcionar normalmente sem a nicotina.
Por uma necessidade irracional, quanto mais você fuma, mais nicotina você precisa para seu corpo se sentir bem.
Quando o corpo não consegue obter a nicotina necessária, o fumante anseia desesperadamente por cigarros e fica inquieto.
Esta condição é conhecida como abstinência e leva um certo período de tempo para ser superada.
Embora os sintomas físicos normalmente desapareçam depois de alguns dias, o desejo pode permanecer por um período mais longo.
Se você está determinado a deixar de fumar, este artigo vai ajudá-lo.
Ele vai revelar o que poucos sabem: uma planta que tem o poder de destruir a ânsia pelo cigarro.
Qual o nome dessa planta?
Como usá-la para combater a vontade de fumar?
É isso que você vai saber agora.
A estévia (Stevia rebaudiana) é capaz de diminuir o desejo pelo cigarro.
Sua bênção, Baba Fernando!
Nunca testei essa aplicação da stévia, mas faz todo sentido! Essa erva é um tapa na cara de quem costuma falar mal de coisas que vem do Paraguay, por que é dessa pequena região que essa planta é originária!
Os índios já sabiam das qualidades tonificantes da stévia, pois além de ser naturalmente doce, a stévia possui substâncias que agem diretamente no sistema nervoso central que causam diversas reações, como a sensação de saciedade, um rápido equilíbrio da serotonina, o “hormônio do prazer” e seu efeito duradouro faz com que a pessoa sinta-se saciada por um bom tempo!
Daí sua importância para os Xamãs paraguaios: à base de stevia, eles realizavam jejuns prolongados sem maiores sofrimentos!
Se não bastasse, a stévia age diretamente no pâncreas, suprarenais e no fígado, e seu consumo contínuo tende a estabilizar a diabetes e a pressão arterial.
Só vejo duas desvantagens: o sabor da stévia realmente fica na boca por horas e a stévia não é muito eficaz no combate a ansiedade, responsável pelo ato de fumar (o mexer das mãos, o ritual de tragar etc.), mas certamente, mesmo sem ter experimentado, acredito, sim, que ajudaria bastante!
Motumbá!
Gente, de quem é o coentro? Em alguns lugares vi como sendo de Oxum, outros de Omulu outros de Nanã. Ontem fiz um Ajebó para Xangô. Hoje de manhã acordei sentindo cheiro de coentro, pensei ok, não seja tão supersticiosa. E continua um cheiro fortíssimo fortíssimo, pela casa, no quarto na sacada.
Aí lembrei que não tenho coentro em casa nem no jardim rsrsrsrs, agora fiquei encafifada
Olá Fernanda,
Aprendi que o Coentro pertence a Oxalá, Nanã e Obaluaiê/Omolu, Oxum eu nunca tinha ouvido falar!
É uma erva originária do oriente médio e leste da África, e sempre esteve no cardápio dos Orixás, é um tempero que tem-se registro de uso há mais de 5 mil anos! Faz muito sentido que seja consagrado a Orixás tão ligados a ancestralidade, a história do coentro é a história da humanidade!
O fato de sentir cheiro de coentro pode ser o início de uma vidência olfativa (sim, existe!) ou, especificamente o cheiro de coentro, segundo estudos, pode ser um sinal de agravamento de um caso de enxaqueca crônica de origem genética. Você tem muitas dores de cabeça?
Motumbá!