Ègbé,
Me deparei com esse texto do Ogá e Babalawo Márcio Alexandre no site da Mãe Cléo e aqui reproduzo fielmente, pois concordo em gênero, número e grau.
Me incomodam profundamente as discussões, muitas vezes sem fim, sobre as verdades dentro da nossa tradição religiosa do Culto aos Orixás.
Quando falo em Culto aos Orixás, refiro-me especificamente ao Candomblé e ao Culto de Ifá, que são cultos Yorubás distintos e complementares. Cada um com seu viés, o candomblé como reconfiguração brasileira do Culto Lesse Orixá e Ifá como culto relacionado ao destino, regido pelo Orixá Orunmila.
Estes cultos surgidos, sim, na África, se reconfiguraram na Diáspora e, em alguns casos, preservaram-se de forma que nem mesmo existe mais no continente Africano.
Ora, é sabido que em fins do século XIX e início do século XX, houve uma série de intercâmbios entre África e Brasil para que se resgatasse aqui o que havia se perdido por lá.
No entanto, a cada dia surgem novas “verdades”, novas divindades, novas formas de se dar comida ao santo, novas formas de cantar e dançar, quase sempre jogando o que foi construído aqui na vala comum do erro, como se a única e absoluta verdade fosse aquilo que chega recriado e com roupagem de tradicional e puro.
O mesmo acontece com Ifá. Chamam a nós, da tradição afro-cubana de loucos e inventores, se esquecendo que a Ilha preservou Ifá tal como o recebeu dos velhos africanos que lá chegaram desterrados. Praticamos Ifá como o recebemos há 200 anos e todos nossos ritos e normas estão preservados não variando de país para país, como acontece aqui no Brasil onde vemos diletos africanos fazerem coisas que jamais fariam em seus países.
Meus incômodos partem de três premissas:
A primeira é que falta convicção religiosa àqueles que, de uma hora para outra resolvem jogar fora tudo aquilo que aprenderam porque alguém disse que está errado ou porque ” em África” é assim.
Em segundo lugar me incomoda a relação desrespeitosa que se estabelece entre estes neo-convertidos, com a tradição que abandonaram como se a partir de agora fossem eles os portadores da verdade absoluta.
Por fim, e não menos importante, incomoda-me o sujeito que fez umas duas ou três viagens à África, visitou meia dúzia de povoados e volta como se fosse o maior especialista da face da terra achando que todos os que estão por aqui são umas bestas quadradas que anseiam pelo seu saber único e inigualável.
A verdade está naquilo que nos faz bem, nos traz bons resultados, e nos dá paz de espírito. Pouco me importa se em algum canto do mundo Xangô não come quiabo. O que me importa é que há 500 anos damos quiabo a ele no Brasil e ele sempre nos respondeu.
Certa vez um dos primeiros teólogos da Igreja Primitiva escreveu sobre a existência real de Jesus Cristo, pois nunca houve provas históricas de sua existência: “a mim pouco importa se ele existiu ou não, o que importa é que eu creio”.
Assim é meu pensamento. Não me importam as verdades de cada um. Importa no que creio e disso não abro mão. Um religioso que abre mão de suas crenças é um fraco, um irresponsável e um inconsequente com aqueles que o seguem.
Claro, não devemos ser bitolados e nem fundamentalistas, devemos sempre buscar aprender e conhecer coisas novas que venham como aporte, um robustecimento daquilo que já sabemos. Sabemos que em nosso Culto aos Orixás por mais que vivamos nunca aprenderemos tudo. Mas há um limite e ele está naquilo em que não confronta com o que aprendemos, pois também nossa religião se pauta em costumes e tradições, legados fundamentais deixados pelos nossos mais velhos.
Suas verdades, nossas verdades, minhas verdades. Assim vivemos e assim seguimos. Quero muito aprender e conhecer coisas novas, mas minha verdade está totalmente baseada naquilo em que creio e disso não abro mão. Do mesmo jeito que não imponho minhas verdades a ninguém não aceito que imponham as suas a mim. Isso é postura da qual não me arredo um passo.
Ashe to iban eshu.
Iboru, Iboya, Ibosheshe
Texto: Ogá , Babalawo Marcio Alexandre Obeate Ifairawo
Para Fernando D,Osogian.
Como sabemos, o Candomblé, assim como o culto a Yfá, foram trazidos da ´África, fisicamente, por negros oriundos desse continente;entretanto, com eles veio o asè original, passado pelos ancestrais e, acima de tudo, cultuado com amor e profunda dedicação. Diferentemente de hoje, não se visava lucro; e nós sabemos que o dinheiro está na raiz de todos os males. É gratificante saber que existem pessoas preocupadas com a pureza original da raiz africana, evitando modismos e cultuando o que realmente aprendeu no Ylê, sem questionar, porque tem confiança naqueles que lhe fundamentaram na transmissão do asè. Cada casa tem seu ritual próprio que deve ser seguido conforme preconização da Yià ou Babà, independentemente de diferenças observadas em Ylês da mesma nação. O verdadeiro vodunci(yiaô), segue as normas do local de sua feitura, não vivendo de casa em casa, como um akirijebó. Também é impossível adquirir-se asè em livros, pois eles apenas informam o que está na letra morta do autor, quase sempre um desconhecido, diferentemente da palavra falada no rumgpame, onde tudo transpira vida e espírito. Hojé já é possível até comprar banhos prontos, farinha de feijão fradinho, pronta para o acarajé, etc. Quem usa estas coisas para o culto está fundamentalmente equivocado, pois é na elaboração ritualística, dentro do terreiro, amassando-se e “cantando folhas” que se preparam os banhos que transmitirão a energia característica, e é também ralando-se o feijão na pedra e depois batendo-se a massa que o acarajé rece be o fundamento através das mãos da pessoa indicada para tal. Relevo, entre todas a nações, a humildade das casas Jeje, que evitam a suntuosidade e mantém a simplicidade trazida da África. É o conjunto de vibrações do Ylê, desde o terreno da roça em si, as atinsas, os assentamentos dos orixás, as Yiás, os babás, ogãs, ekedis, runtós, etc…, que transmitem as yaôs os mesmos fundamentos recebidos dos ancestrais africanos. É, portanto, a Mão da Mãe Africa, que está em nosso ori. Assim é nosso asè,caracterizando cada Ylê pela orientação recebida do Babá ou Yiá.
Henrique,
É isso aí! Candomblé é brasileiro, cabe a nós lutarmos para manter as tradições, modernizando na medida do possível, acompanhando a tecnologia, mas, sobretudo sem perder a essência que é fundamental em nossa liturgia.
Àse!
Boa tarde, Pai Fernando!
Texto muito bom, e de fato isso acontece, acredito que existem invenções desmedidas dentro do Candomblé, entretanto existem releituras, pois os processos de escravidão, perseguição, a diáspora negra impeliram aos nossos ancestrais efetivar essas releituras e ressignificações, isso aí devemos respeitar.
Então, o texto dá um exemplo, do quiabo. Na Nigéria não se põe quiabo na comida de Sangó?
Mário,
Claro que sim, o amalá veio de lá, foi apenas um exemplo subjetivo.
Axé.