Um pouco sobre a nação nagô Egba – Xangô do Recife.
Em 1875, Inês Joaquina da Costa (Ifá Tuniké), mais conhecida como Tia Inês, desembarcava em Pernambuco vinda da cidade de Egbá, na Nigéria. Em sua mínima bagagem como por intuição do que estaria por vir, trouxe sementes e materiais usados no culto a Yemonjá, orixá cultuado na sua região, e mais algumas divindades cultuadas no panteão yorubá.
Com o passar do tempo, ela se estabeleceu em Recife, no bairro de Água Fria, plantou as sementes das árvores sagradas, a exemplo da gameleira e do Baobá. E assim foi nascendo o Sítio de Tia Inês e uma forma de culto conhecida como Nagô Egbá, tendo sua casa matriz o próprio Sítio de Tia Inês, que mais tarde seria conhecido, registrado e tombado como Terreiro Obá Ogunté, estendendo-se então como culto mais conhecido em Recife e sua região metropolitana e como reflexo presente na cultura pernambucana.
Após a morte da matriarca da nação Nagô Egbá, o Sítio de Tia Inês continuou aos cuidados de seus filhos adotivos e assim a regência passou a ser de pai para filho, causando assim mais uma característica da nação: o patriarcado, como sendo a maneira mais comum de herança. O mais conhecido entre os regentes foi Felipe Sabino da Costa (Ope Watanan), conhecido como Pai Adão, sua figura se mostrou tão popular dentro do culto que a casa passou a ser popularmente conhecida até hoje como Sítio do Pai Adão.
Boa parte dos barracões, atualmente, é regida por zeladores, porém vale salientar que as casas mais tradicionais e mais respeitadas foram fundadas por mulheres.
Os papéis do homem e da mulher são bem fixos no culto, os homens ganharam mais espaço e sempre por trás dos zeladores estão elas, as “senhorinhas” zeladoras os acompanhando. Observando conversas entre zeladores percebo certo machismo e muitas zeladoras repelem esses conceitos, arregaçam as mangas e constroem seus barracões, sendo eles regidos por elas e sendo elas auxiliadas pelos seus ogãs e ègbón mi, mostrando que o futuro poderá refletir novamente o passado.
O Nagô Egbá se assemelha muito ao Ketu. É uma nação onde suas casas tradicionais mantêm as mesmas formas de culto e conceitos ensinados pelos seus antepassados, daí vem o por quê da quantidade de orixás cultuados, que citarei mais adiante, ser relativamente menor que a de outros cultos
Como uma nação de origem yorubá, o Nagô Egbá comporta orixás, teorias e histórias mitológicas iguais ou muito próximas da nação Ketu. Além das pequenas diferenças em sua ritualística interna, a diferença mais clara está presente nas festas, nas formas como os orixás se manifestam e dançam durante os xirês. Os instrumentos principais mudam; no lugar do som mais agudo dos atabaques, está o som mais grave e compassado dos ilús. A sequência de orixás cantada durante a roda do xirê é a mesma em todas as casas e a das toadas geralmente também (provável herança da nossa casa matriz).
Os orixás homenageados em ritual aberto ao público, o toque, são em menor número do que na nação Ketu, como já foi mencionado. São basicamente treze orixás cantados na seguinte sequência: Exu, Ogum, Odé, Obaluayê, Oxumaré, Nanã, Ewá, Obá, Oxum, Yemonjá, Xangô, Oyá e Oxalá. Ossaim tem seu culto e é sempre lembrado e homenageado durante os rituais internos e orôs; Iroko segue lembrado e cultuado nos terreiros na forma da imensa gameleira. Sobre o orixá Logum Edé, não há registro no culto Nagô Egbá, nós não negamos sua existência, apenas não há registro histórico sobre o orixá dentro do culto. Porém, há uma peculiaridade em relação a alguns outros cultos: o culto à Orunmilá é muito conhecido e difundido na nação com suas inúmeras cantigas cantadas durante as saídas dos balaios para Oxum e as panelas de Yemonjá, além de ser também lembrado na cerimônia de Bori.
Houve um tempo, mais precisamente entre 1938 e 1948, em que os terreiros de Candomblé foram perseguidos, fechados e alguns até destruídos. Esse episódio ocorreu em diversas partes do país e não aconteceu diferente em Pernambuco. Muitos zeladores fecharam suas portas, abandonaram a religião, enquanto os que persistiram na sua fé faziam tudo á maneira mais escondida e disfarçada possível.
“Era 31 de dezembro de 1948 e a comunidade de Água Fria, na Zona Norte de Recife, se aprontava para um ritual que há muito não se via, nem ouvia, a não ser em lugares secretos. Naquela noite poderiam outra vez cultuar seus deuses com o consentimento das autoridades.
É claro que começou somente com o povo do terreiro do Sítio de Pai Adão. Os filhos e filhas de santo tocavam e dançavam ainda desconfiados; o batuque era discreto. Olhavam pelas janelas para ver se a polícia não apareceria para impedi-los, mais uma vez. As baianas usavam a saia branca do candomblé por cima de vestidos. Ficaria mais fácil de tirá-las caso os perseguidores chegassem de surpresa. Os que não acreditavam no que ouviam, aos poucos, iam se aproximando do salão do terreiro, onde acontecia um toque para Oxalá.
De repente, um grito ecoa no salão. Era o orixá Ogum, manifestado em França, filha de santo antiga da casa. Os ogãs perderam a timidez; soltaram os braços e o toque se animou; os fiéis passaram a cantar mais alto, os cânticos a Oxalá. E os orixás da casa passaram a “descer”. Mãe Joana Batista recebeu sua Iemanjá, e os demais médiuns passaram a entrar em transe e receber seus orixás. Com o passar dos dias, outros terreiros do Recife voltaram a praticar seus rituais de candomblé, livres da perseguição que durou dez anos. O fim do período marcado pelas constantes prisões de babalorixás e filhos de santo, e quebra-quebra da polícia quando encontrava imagens e símbolos africanos nas casas denunciadas, completa hoje sessenta anos.”
(Este texto é de minha autoria, foi publicado primeiramente neste blog há anos atrás e agora está voltando à sua casa já que com a dimensão da internet muitos textos são copiados e não têm nem seus autores, nem sua fonte devidamente citadas).
Axé.
Day, mais uma vez nos brindando com um texto leve e muito educativo. Sinto orgulho ser parte da sua vida, mesmo com esta distancia de 3500 Km, rs.
Ire aikù Obirìn.
Heépa Heyiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Day
Adorei o texto, obrigada por mais uma vez proporcionar o conhecimento, que em nossa religião é tão importante.
Forte abraço
Axé !!
Realmente muito boa a matéria!
Parabéns!
muito bom , veio na hora em que estou conhecendo uma casa deste cultoe realmente achei muito do que estou acostumado (keto).
Boa tarde, minha querida Dayane!
Agooora! Gostei demais, até porque fica evidente as diversas vertentes de culto aos orixás e também passa-se a mostrar para os preconceituosos, a riqueza da religião que está na diversidade, se está na religião, está em todas as dimensões que constituiem a sociedade yorubá, desmantelando aquela velha opinião formada sobre tudo, de negros sujos, incompetentes e ignorantes..
Como podereiam ter esses adjetivos infames, com uma riqueza cultural (religiosa) dessas?
Como sou muito chato, vou te cobrar um segundo texto, com mais informações, particularidades, tá bom querida! Um abraço e muita luz!
Mário,
Agradeço pelas palavras.
Compilar informações pra escrever esse texto foi bem difícil, pois não há literatura vasta e que me agrade falando de maneira “lúdica” sobre a nação. Escrevi levando mais em consideração a minha vivência direta e não “pesquisa de campo”.
Esse texto me pede um irmão desde o tempo em que ele nasceu, porém, tenho que ter tempo e dedicação pra dar continuidade a ele. Vamos ver se a oportunidade surge. 😉
Axé.
Desde que este texto nasceu, há algum tempo, o Orun apontou o dedo aqui para baixo e acertou bem na mosca quando nos mostrou a Dayane e seu potencial de escritora/cronista da comunida de candomblé. Espero de coração que em suas futuras “pesquisas de campo” e observação do cotidiano da nossa religião, um segundo e um terceiro textos sejam revelados. Grande axé a todos os meus queridos irmãos de blog. Tomeje.
Tomeje,
Agradeço (mais uma vez) e também de coração pelas palavras e pelo incentivo.
“Terceiro” também? Haja trabalho… rs
Axé.
Kolofé Aos Mais Velhos e aos mais Novos…
confesso que fiquei Bastante surpreso com esse texto por aqui….
Sou de Pernambuco, moro em Olinda, sou Iyawó de Logun Edé, da Roça Oxaguian Oxum Ipandá e do Ilê Obá Aganjú Okoloyá, por conta disso sou de Nação jeje- Nagô. meu Babalorixá Junior de Ajagunã é de Rama Jeje-Nagô, e Minha Iyálorixá Maria Helena de Oyá Bamilá é de Rama Nagô Egbá. os dois barracões ao qual faço parte são muito tradicionais…
fico feliz em ver esse texto… eu conheço essa Rama até pq eu faço parte dela… minha Iyalorixá é Iyákekerê de um dos únicos terreiros de Nagô existentes aqui em PE que são de cultura nagô como aqui costumamos dizer “puro” o Ilê Obá Aganjú Okoloyá…
fico mais feliz ainda em ver a presença de uma irmã de santo minha escrevendo tão bem e escrevendo para um site, muito popular e conhecido aqui na net… parabéns Day… tenho certeza que Vó Amara, Mãe Maria Helena estão muito orgulhosas de vc… espero conhece-la um dia..
Acabei de chegar no Ilê sou filho de pai junior que atualmente é o babalorixa do ilê obá aganju e sou o primeiro Logun Edé de Mãe Maria Helena…
Parabéns! Axé!
Olorun kolofé. Kolofé, Danilo.
Muito obrigada pelas palavras. Quando tiver xirê na sua casa, me avise. Quem sabe não dá pra eu visitar a sua casa e conhecê-los?
Axé.
Minha irmã..ótimo descrever sobre nosa nação…aqui em SP (de onde sou) infelizmente poucas casas mantiveram a tradição muitas foram para o ketu, muitas tiraram os ilus e subestituiram por atabaques, e por ai vai…minha irmã se puder me envie um email pois jeaque esta em PE se nao incomodar gostaria delhe perguntar sobre alguns irmãos do Nago de Recife
Asse minha irmã
Washington,
No momento não tenho possibilidades de passar esse tipo de informação, mas posso tentar te colocar em contato com alguém daí de São Paulo que também é de nagô e tem contato com mais velhos daqui.
Axé.
Obrigada minha irmã.
lhe agradeço.
O título do post esta nago Ebga, e não Egba.
Àsse.
Adorei. Òtimo texto!!! Vou repassá-lo ao meu amigo. Irá adorar reler!
A bênção, Day.
Muito bom o texto.Bem esclarecido.Sou nagô.da casa da falecida Mãe béta de yemanjá sabá.Do bairro do brejo,proximo a nova descoberta.em recife.foi muito enriquecedor o tempo q passei com ela de 87 a 2002.tempo esse q me iniciei em 1991 e tomeu deka em 98 com ela.Me sinto horrado de ter feito parte da casa dela.
Eu sou iniciada desde 1990 , no Rio de Janeiro , e meu Orixa é lugun Ede , sou Nago Egba .
Locidewy,
Que interessante. Você descende do Oba Ogunté (sítio do pai adão) daqui de Recife?
Axé.
washington meu irmao aqui em sao paulo existe sim casa nago egba ,minha casa em santo amaro minha mae de santo foi iniciada pelo joao romao da costa filho de pai adao dentro do sitio ,nossa casa mantem as tradiçoes nago egba com todos os ritos ,contamos tambem como ensinametos e auxilio de manoel papai hoje dirigente do terreiro oba ogunte(sitio de pai adao )
Muito linda a historia nago egba, nao conhecia e fiquei surpreendida a ler o texto..
Querida afilhada, não pude deixar de postar sobre esse tema tão caro a nós do Estado de Pernambuco e também a nós que fazemos parte do Ilê Axê Obá Aganju, filhos da Ialorixá Ana Lúcia de Aganju. O que você fala sobre a bibliografia de nossa nação é realmente verdade: pouca explorada pelos pesquisadores e pequena ainda, o Nagô-Egbá em nosso Estado representa nada mais nada menos do que a raiz espiritual onde está alicerçada nossa fé, tanto que em Recife, Candomblé e especialmente o Nagô é chamado de Xangô, tão forte é o culto ao orixá do trovão e da justiça. Para aclimatar um pouco quem está interessado na matéria, um caminho das pedras rápido é uma bibliografia básica sobre o Nagô;
1. Roger Bastide, Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto, RJ, Gráfica O Cruzeiro, 1945, cap. 5.
2. Maria do Carmo Tinoco Brandão, Xangôs tradicionais e Xangôs umbandizados do Recife: organização econômica, tese de doutorado em Antropologia Social, SP, Universidade de São Paulo, 1986.
3. José Jorge de Carvalho, 1984, (em inglês) Ritual and music of the Shango cults of Recife, Brasil. Tese de PhD em Antropologia Social, Belfast: The Queen’s University of Belfast
.4. Idem. 1988, A força da Nostalgia: a concepção de tempo histórico dos cultos afro-brasileiros tradicionais, Religião e Sociedade, vol 14, nº 2, pg 36-61.
5. Idem. 1992. Estéticas da Opacidade e da Transparência. Mito, música e ritual no culto Xangô e na tradição erudita ocidental, Anuário Antropologico/89, 83-116 RJ, Ed. Tempo Brasileiro.
6. Idem. Cantos Sagrados do Xangô do Recife, 1983, Brasilia, Fundação Cultural Palmares.
7. Idem & Rita Laura Segato, 1986, Musik der Xangô-Kulte von Recife (em alemão), em: Tiago de Oliveira Pinto (org), Brasilien, Einführung in die Musik-traditionen Brasiliens, 176-192, Mains:Schott.
8. Idem. Cantos Sagrados do Xangô do Recife, 1983, Brasilia, Fundação Cultural Palmares.
9. Rita Laura Segato, 1990, Iemanjá em familia:mito e valores civicos no Xangô de Recife, Anuário Antropologico/87, 145-190 RJ-Brasilia EdUnB/Tempo Brasileiro.
10. Idem, Santos e daimones, 199.., Brasilia, Unb.
11. Pedro Cavalcanti, As seitas africanas do Recife, em Estudos Afro-brasileiros (trabalhos apresentados no 1º Congresso Afro-brasileiro reunido em Recife em 1934, 1º vol.) RJ, Arielk, 1935.
12. Manoel do Nascimento Costa, Sacrificio de animais e distribuição da carne no ritual afro-pernambucano; em Roberto Motta, Os afro-brasileiros: Anais do III Congresso Afro-brasileiro, Recife, Massangana, 1985.
13. Gonçalves Fernandes, Xangôs do Nordeste, RJ, Civilização Brasileira, 1937.
14. Gilberto Freyre, “Xangôs” em Guia Prático, Histótico e Sentimental da cidade do Recife, RJ, José Olympio, 1968.
15. Idem, “Pai Adão babalorixá ortodoxo”, em Pessoas, cores e animais 2ª ed. Porto Alegre, Globo, 1981.
16. Roberto Motta, “Bandeira de Alairá: a festa de Xangô-São João e problemas de sincretismo, em Carlos Eugênio Marcondes de Moura(org), Bandeira de Alairá: outros escritos sobre a religião dos orixás, SP, Nobel, 1982.
17. Idem, Cidade e devoção, Recife, Ed. Pirata, 1980.
18. Idem, “Catimbós, Xangôs e Umbandas na Região do Recife em Os Afro-brasileiros: Anais do III Congresso Afro-brasileiro, Recife, Massangana, 1985.
19. Reginaldo Prandi, Os Candomblés de São Paulo, SP, Hucitec/Edusp, 1991.
Benção, Kolofé a todos.
Mo jùbá Baba.
Adupe pupo.
Sua contribuição é muito generosa e edificante.
Etala mo juba
Obà Koso, Olu Bambi,
Alado.
Arira,
Epá Sàngó.
Okunrin Òya.
Olu Ọyọ
Mo beere surè Sàngó.
Ire
Kolofé, padrinho! 🙂
Ótima contribuição! O texto é tão antigo que anda bem desatualizado, vou subir as indicações pra ele. Só não podemos esquecer de René Ribeiro que tem uma obra grande de descrição dos rituais e comportamentos no Xangô do Recife e que foi e ainda é fonte de vários estudiosos e estudiosas (inclusive o profº Roberto Motta).
Beijos!
Dayane
Texto simples e objetivo, que contou o início dos tempos da Nação Nagô Egba.
Sou da mesma nação, iniciado por Pai Paiva (Ilê Axé Oyá Bamilá) e desde seu falecimento perdí contato com meus irmãos. Desde então, procuro em São Paulo alguém que seja da nação. Poderia me indicar?
Um abraço.
conheço em santo amaro a primeira casa de nagô eba raiz de pai adao da saudosa mae zefinha de oxum
Axé…
Muito bom o texto, parabéns!! Acabo de ser iniciado na Nação do Nagô Egbá… sou filho do Obadimeji Beto de Xangô e neto do Alafini Paulo Braz.
Meu facebook: Alexandre Albuquerque
Manter os contatos e fortalecer nossa fé e cultura é de suma importância.
Abração!!
Alguém do Nagô Egbá por aqui? Favor entrar em contato.
estou chegando agora em uma casa nago aqui na baixada santista e a unica aqui e digo estou adorando pois vejo o valor que dão as yaos ja aprendendo fundamento Nago, onde em outros lugares so se aprende fundamento quando se receber seus direito, bom nao vejo aqui criticar neuma casa mas digo estou amando essa nação onde desde santo a catiço tem um grande valor e eles cobram cada um dois filho e filhas seja ogã , alabe de canto ekedi todos são cobrados amei tudo isso …
Muito completo extremamente perfeito para que possamos entender a respeito dessas religião.