ODÍDE: O papagaio cinza africano de cauda vermelha
Por Bàbá Olúmolà (Ulisses Manaia da Silva)
(Texto registrado no EDA/FBN: nº 450.599 – Livro 846 – Folha 259)
Quem de nós, adeptos do culto de Òrìsà, não conhece a pena de cor vermelha denominada ìkóòdíde? Amplamente utilizada em nossos rituais? O que muitos não sabem, como eu também não sabia, é que essas belíssimas penas estão presentes somente na cauda de um papagaio africano que tem o restante das penas acinzentadas.
Quero fazer um convite ao amigo leitor para conhecermos um pouco sobre este papagaio africano, e assim entender a simbologia de ìkóòdíde dentro do culto de Òrìsà, pois como nos ensina Juana Elbein dos Santos: “…desvendar as correspondências dos símbolos e os interpretar nos permite explicar os conteúdos do acontecer ritual.” (2002, p. 24;25)
Denominado Odíde entre os Yorùbá, o papagaio cinza africano ou papagaio do Congo, pertence a espécie Psittacus erithacus, é exclusivamente africano e originário da África ocidental e central, desde a Costa do Marfim até o Congo. É uma ave de porte médio que mede de 35 à 40 centímetros, a cor base de suas penas é o cinza, mas escuro na parte superior do corpo que no peito e ventre, terminando na cauda curta e quadrada de cor vermelho carmim, a região em torno dos olhos é branca e desprovida de penas. Não existe diferença na aparência entre machos e fêmeas e pode-se calcular que uma ave desta espécie viva até aos 70 anos.
Vivem aos pares, e em grandes bandos, ocupando as floretas de planícies, savanas com árvores e ocasionalmente plantações, particularmente de palmeiras, pois sua comida preferida são as “nozes” das palmeiras ricas em óleo. Apresentam quase que constantemente um comportamento monogâmico, podendo levar ao óbito do companheiro a ausência do outro. Na época do acasalamento o par abandona o bando e ambos se revezam no choco.
A sua cor cinzenta em “degrade”, terminando na cauda de cor vermelho carmim, são características únicas, no entanto, as particularidades que o caracterizam no mundo inteiro, mesmo para as pessoas que têm poucos conhecimentos sobre papagaios, são a sua habilidade de repetir palavras e a sua inteligência. É comum entre os papagaios a reprodução de determinadas frases ou sons, mas o papagaio cinza africano distingue-se dos seus parentes por ser considerada uma das espécies de pássaros mais inteligentes do mundo, já tendo sido comparado com golfinhos e chipanzés.
Essas habilidades do papagaio cinza já eram mencionadas em antigos documentos gregos e romanos, ao ponto de ser citado por Plínio, um naturalista romano, na sua “História Natural”.
Infelizmente este papagaio tem vindo a desaparecer dos seus hábitats naturais devido ao desflorestamento e à sua captura para o mercado de animais de estimação.
Os portugueses, primeiros europeus a explorar a costa ocidental da África a partir do século XV, qualificaram os negros de origem Yorúbá, assim como outros de origem africana, de “animista”, por considerarem todos os seres da natureza dotados de vida. Na verdade ele concebe que toda manifestação viva, seja ela, animal, mineral, ou vegetal, é dotada de uma “força vital”, denominada ìpònrí, que pode ser usada a seu favor.
A partir desse olhar passamos a compreender que cada elemento utilizado nos diversos rituais possui uma força específica, em outras palavras, um àse específico, e conhecê-lo torna-se fundamental a fim de que possamos direcioná-lo para o objetivo que queremos alcançar.
Ora, vimos que esses elementos têm um significado simbólico, sendo assim a pena ìkóòdíde representa o próprio papagaio cinza com todo o seu potencial, e utilizá-la significa trazer para nós todo este poder.
Entre os Yorùbá tradicionais, as diversas formas de ebo funcionam como “mensagens codificadas”, ou seja, cada elemento que o compõe reflete uma necessidade do indivíduo a ser entendida e atendida por Olóòrun, o criador de todas as coisas, logo, utilizar a pena ìkóòdíde significa buscar atributos como a longevidade, pois vimos que Odíde pode chegar aos 70 anos de vida; inteligência, pois vimos também que é um dos pássaros mais inteligentes do mundo e estabelecer uma relação familiar com nossa ancestralidade, pois vimos o quanto são fortes as relações familiares dessa ave, tanto no nível conjugal, como no nível grupal.
Ìkóòdíde está presente também no igbá orí. Dentro do culto de Orí, na cultura Yorùbá, mantém-se organizado o igbá orí, uma kabasa redonda que representa simbolicamente a nossa cabeça interior ou espiritual – orí inú. Nela estão contidos vários outros elementos, respeitando a individualidade de cada cabeça, e de acordo com as características e propriedades de cada um deles.
Verificamos também que ìkóòdíde está presente nas “representações materiais” de Èsù, aquele que “é o princípio da comunicação;… o mensageiro no sentido mais amplo possível: que estabelece relação do àiyé com o òrun, dos òrìsà entre si, destes com os seres humanos e vice versa. É o intérprete e o lingüista do sistema.” (Juana Elbein dos Santos, 2002, p. 165). Èsù, tem ainda o título de enúgbáríjo – boca coletiva – por representar os òrìsà e nós, humanos, diante de Olóòrun.
Fica claro que a pena de ìkóòdíde entra na representação material de Èsù, a fim de simbolizar a sua capacidade de comunicação, inerente também ao papagaio odíde.
Há um ìtan entre os Yorùbá tradicionais que conta que Odíde não foi sempre cinzento e nem tinha as penas da cauda vermelhas:
“Olóòrun decidiu promover uma competição para ver qual pássaro tinha as penas mais bonitas, assim todos os pássaros do mundo começaram a se preparar, melhorando a sua beleza. Naquele tempo, Odíde tinha a plumagem toda branca e, ao contrário dos outros pássaros, não fazia nenhum tipo de preparação. Os outros pássaros começaram a ficar preocupados e queriam saber por que, enquanto eles se preparavam tanto, Odíde não estava fazendo nada. Eles se uniram e resolveram estragar a beleza natural de Odíde jogando cinzas em cima dele, só que não teve o efeito esperado, pois as cinzas se dispersaram com o vento. Procuraram então um feiticeiro, que lhes deu um preparado mágico que transformaria as penas da cauda dele em vermelhas. Os outros pássaros ficaram bastante confiantes que Odíde, agora, não participaria da competição.
Só que, ao contrário do que eles pensavam, Odíde não só participou da competição como ganhou, Olóòrun o premiou dizendo que ‘Odíde era realmente o pássaro mais bonito, porque a verdadeira beleza está do lado de dentro do ser’.”
Em território Yorùbá, quando reis são coroados, ou quando pessoas ingressam no sacerdócio religioso, trazem sobre a cabeça uma pena vermelha da cauda de Odíde, para os lembrar que a verdadeira beleza é a interior. Ritual este que foi mantido no Candomblé brasileiro.
Um certo papagaio chamado “Alex”: Destaque de programas de TV e de artigos científicos, “Alex”, um papagaio cinza africano, ganhou fama pelos EUA e pelo mundo por sua capacidade de comunicação.
A ave foi comprada pela psicóloga americana Irene Pepperberg, pesquisadora das Universidades americanas Brandeis e Havard, em 1977 em uma loja de animais de estimação, quando tinha 1 ano de vida. As pesquisas dela com este papagaio renderam avanços científicos significativos sobre cognição das aves. Foi a partir desses estudos que se descobriu que papagaios não apenas repetem sons, mas são capazes de entender conceitos.
Usando novos métodos de ensino, Pepperberg estimulou Alex a aprender grupos de palavras e a contar pequenas quantidades, além de fazer o reconhecimento de cores e formas. Alex chegou a chamar uma maça de “banereja”, porque a fruta é vermelha por fora (como a cereja) e branca por dentro (como a banana).
De acordo com os pesquisadores da equipe de Irene, o raciocínio de Alex para resolver problemas era similar ao de uma criança de 5 anos e sua capacidade lingüística correspondente à de uma criança de 2 anos.
Após 30 anos ajudando os cientistas a entender o cérebro das aves, o papagaio Alex morreu no dia 6 de setembro de 2007, aos 31 anos, em sua gaiola, aparentemente de causas naturais. Ganhou o tratamento conferido a celebridades e Jornais do mundo inteiro lhe dedicaram obituário.
Irene Pepperberg mantém no ar o site da Fundação “The Alex Foundation” –www.alexfoundation.org – dedicada ao papagaio africano Alex. No site é possível conhecer melhor os trabalhos e pesquisas mantidas e se informar sobre a continuidade dos estudos após a morte do papagaio. Também está disponível no “YouTube” uma série de vídeos surpreendentes sobre Alex.
Referências Bibliográficas:
– Santos, Juana Elbein dos. “Os Nagô e a morte: Pàde, Àsèsè e o culto Égun na Bahia”, Vozes, 1986;
– Monteiro, Marcelo dos Santos, 1960 – Curso Teórico e Prático de Orí/Cabeça e Borí/Oferenda a cabeça – Rio de Janeiro – 1995 – 39 p. (Biblioteca Nacional);
– Site: www.alexfoundation.org.
Referências do autor:
– Ulisses Manaia da Silva – Bàbá Olúmolà – é Asògún e Asogbá do Ilé Àse Ìdàsílè Ode (Olaria – Rio de Janeiro – RJ) e integra o “Grupo de Pesquisas das Religiões”, coordenador.
Mutumbá, Tomeje D’Ogum!!!
Não podia deixar de parabenizá-lo pelo esclarecimento sobre o assunto Ikodidé, já que anteriormente tanto te perturbei o juízo e de Babá também, com isso rsrsr.
Adorei o texto, parabéns e obrigada.
Asè
Abenção a todos os mas velhos e mutumba aos mas novos…
Pai querido, adorei a explicação da pena Okodidé, e o motivo de termos ela em nossa iniciação, ja havia perguntado isso antes mas não me deram essa resposta… Parabéns mas uma vez o texto é lindo e bem explicado… bjs da filhota Kelewá…
Oi lindinhas, só pra avisar que o texto não é meu, é do ogã Ulisses. Tomeje
Saudações!
Indicamos blog/site para o prémio «Estrela Guia», pois achamos estar dentro dos objectivos do prémio.
Para receber o prémio basta entrar em
http://noticiaseventossobreosorixs.blogspot.com/2010/09/premio-estrela-guia.html
copiar, colar o selo, e seguir as instruções:(o que fazer ao receber o prémio)
Parabéns!
O texto realmente está ótimo e bem elucidativo, mas a minha pergunta é a respeito do ìpònrí. Cada literatura dá um aspecto diferente e eu fiquei sem entender o que é, de fato, o ìpònrí.
Babazinho, dá pra me salvar? rsrsrs
Benção!
Axé!
Quando a gente vira colaboradora é fogo, né?
Fica sempre em quarto plano quando o negócio é responder… Eu supero… rsrsrrsrsrsrrsrs
Olá Dayane, como vai? Realmente o que vc coloca é uma verdade, a literatura que versa sobre os cultos de matriz africana não são uniformes, e por vezes encontramos definições diferentes para o mesmo tema. O que eu faço: elenco as mais confiáveis (isso é meio intuitivo!) e confronto com ensinamentos práticos (do àse). Em relação a iponri, a referência que eu tenho é o livro da Juana Elbein (Os Nago e a Morte) e alguns textos avulsos, ele diz respeito à “força vital” que cada ser, seja ele animal, vegetal ou mineral tem em si. Para o Yorùbá, estamos falando de culto a Òrìsà, essa força é muito relevante, vou te dar um exemplo: ele observa que um determinado vegetal tem um determinado comportamento na natureza, como por exemplo “resistência” as variações climáticas (sol, chuva…), ele vai pegar esse vegetal e usar em ritual, a fim de que essa “força vital” seja canalizada para ele (indivíduo), compreendeu. Um grande abraço e muito àse.
Bàbá Olúmolà.
Ulisses obrigado por responder a Daya ela é assim dramática !!!!!!!! Tomeje
Bàbá Olúmolà, Ègbé.
Brilhante pesquisa e de nobre literatura.
Gostaria de acrescentar ao tema “Ìkóòdídé, que esta pena fundamentalmente simboliza o nascimento do iniciado e, de um modo geral e por sua cor a “fecundidade.”Estabelece assim, a relação com Oxun, a padroeira, a verdadeira Iyá=mãe Awó=segredo de todo ariaxé. Por isso todo iniciado filho (Iyáwò) usar a pena vermelha centralizada em sua testa, a representação do noviço e de seu Axé no dia de sua saída e para sempre em todas as obrigaçãoes.
O Ekodidé, como popularmente chamamos a pena da calda do papagaio da costa, é saudado na terceira cantiga na saída do neófito:
ìkóòdidé se ikunlé Iyawó!
Óféré jé!
Ìkóòdidé se íkúnlé íyawó!
Óférè jé!
Axé,
Olá Fernando! Obrigado pela deferência e pelas contribuições. Um forte abraço e muito àse.
Olúmolà.
boa noite
como e uma cerimonia de obi preciso
fazer, vcs poderia tirar as minhas duvidas
sou filha de oxum com xango
o obi e uma cerimonia simples? preciso dormi no barraçao?
desde ja muito obrigado
Erica no post Bori vc pode pesquisar um pouco mais, mas posso te dizer que obi é uma semente que é ofertado ao orixa Ori, que segundo nossos credos é quem habita o interior de nossas cabeças. Esta cerimonia é bem simples, é ofertado a semente (obi) e água somente, e dura pouco tempo, poucas horas. Tomeje
Boa noite
obrigada por esclarecer as minhas duvidas
Axe para todos
Parabéns pelos esclarecimentos
gostaria de deixar aqui meus votos de sucesso pois gosto muito de pesquisar neste site
parabens
Motumbá
Essa matéria é ótima muito elucidativa… O blog é excelente para pesquisas todos os dias me pego dando uma passadinha para ver se tem algo novo para ler…
Obrigado por abrir esse espaço maravilhoso para aqueles que amam o Culto aos Orixás…
Eles são o ar que eu respiro a terra que me da o alimento a luz que me guia…
Me sinto cada vez mais ligado ao meu Pai Odé e minha mãe Oxum e a todos os outros orixás…
Muito Axé a todos
BOA TARDE,GOSTARIA DE PARABENIZAR AO BABA TOMEJE, A MANUELA E A TODOS DO SITE, POIS SÓ ENCOTRAVA BESTEIRAS E UM POUCO DE VERDADE SOBRE A NOSSA RELIGIÃO,VEJO QUE TEM UM SITE SÉRIO DE PESSOAS SÉRIAS,QUE ESCLARECEM E TIRAM TODAS AS DÚVIDAS DAS PESSOAS COM COMPETÊNCIA, SERIEDADE, ÉTICA E RESPEITO.
SE TODOS OS NOSSOS IRMÃOS E IRMÃS FOSSEM ASSIM! ESTÃO DE PARABÉNS.
EU ESTOU PREPARANDO PARA INALGURAR O ILÊ(CASA DE SANTO),PARA O ANO DE 2012 OU 2013. O ILÊ OMOLU OXUM FEZ,100 ANOS NO ANO PASADO E MINHA YALORIXÁ MÃE MENINAZINHA D OXUM.
CONCORDO COM TODAS AS ESPLICAÇÕES DADAS POR VCS E A OPINIÃO É A MESMA DA MINHA,FICO MUITO FELIZ.
PARABÉNS,ASÉ E OLORUM MUDUPÉ PELA ATENÇÃO. ASÉ.
MEU ORKUT e MSN,E-Mail é anselmodexango@hotmail.com
Bom dia,recebi um e-mail da Manuela,só que está todo em Inglês e meu inglês é basico alguma coisanão entendi. poderia me reenviar em português. Mudupé Asé.
sua benção , fico maravilhado com o farto conhecimento por hora oferecido, já que no meu tempo em que fui feito era dificil tu aprender alguma coisa com os antigos, eu aprendi na dura sorte,ao passar do tempo fui aprimorando meus conhecimentos ,um abraço tatananguê Roberto de Ayra Igbonã
Roberto, obrigado pelas palavras, desmestificar e acabar com a enganação dentro da religião é o nosso propósito.
Ire o.
Olumola, bom dia!
A mesma dúvida tenho sobre o iponri e sou sincero, continuo não entendendo mesmo depois do esclarecimento acima. Entendia q. iponri era a grande massa de onde todos nós somos oriundos e nos particularizamos, individualizamos aqui no ayiê. Não sei está me entendendo?