Jurema: Representações urbanas e drama social afro-indígena, parte III
José Flávio Pessoa de Barros[1]
Analise contextual: a Jurema decantada
A Cabocla Jurema é classificada na Umbanda sob as seguintes denominações: a Jurema da Mata, a Jurema Caçadora, a Jurema da Praia, a Jurema da Cachoeira e a Jureminha.
Os nomes Jurema da Mata e Jureminha fazem referência também às espécies vegetais como as descritas anteriormente. A primeira apresenta uma sinonímia científica e popular chamada de Jurema-das-matas, Jurema-de-espinho ou Jurema-das-oieiras (Mimosa verrucosa Benth). A Jureminha (Vitex agnus-castus) é uma planta usada nos Candomblés de Angola, e mais raramente na Umbanda, não possuindo princípios ativos alucinógenos. Este nome também alude à Cabocla cultuada na Umbanda em sua forma infantil:
Ela é Jureminha
Muito levada na Mata
Uma cobra coral
Quase que lhe mata
Nesta segunda canção, o termo “mata” ocupa o lugar central que determina a fonte de seu poder ritual, falando o último verso da sua relação com o Kariri de Alagoas, que pode ser o grupo indígena ou o sertão, também chamado de Cariri:
Minha senhora lá das matas
Me diga quem manda ai
Venha pra perto pra ver
Dona Jurema é do Kariri
A Cabocla Jurema também é dita das Cachoeiras e ao mesmo tempo ressalta a dubiedade das folhas utilizadas que podem curar e matar, reforçando ainda mais os aspectos mágicos que envolvem a utilização das plantas:
A folha que a Jurema tem,
Mata e cura também
As águas lá da cachoeira
Não matam a sede que a Jurema tem
Este cântico é do Catimbó, embora raramente possa ser executado na Umbanda. A palavra Caboclinho fala de um ancestral do Catimbó que ocupava um dos postos centrais em seu culto e por isso era chamado de mestre. O seu grande saber é explicado na canção como tendo uma origem divina e que foi a ele concedido pela iniciação na fonte do Juremá, isto é, o local onde está plantada a árvore da Jurema sagrada. Os mestres do Catimbó são considerados como grandes curadores e o seu poder pode estar expresso tanto na mesa (altar onde são cultuadas as divindades do Catimbó) escura, isto é, da magia, como na mesa real, onde vivem os encantados e os santos católicos.
Caboclinho é bom mestre
Aprendeu sem se ensinar
Três dias passou dormindo
Na fonte do Juremá
E quando se levantou
Estava pronto para curar
Triunfa na mesa escura
Triunfa na mesa real
Quem tiver seus malefícios
Que jogue pros lados do mar
As plantas sagradas e que curam são decantadas como fontes de poder, a canção diz que elas são da Umbanda e que aí também tem múltiplas funções. A palavra gongá, que significa altar, reforça o lugar sagrado onde elas são cultuadas. O Juremê ou Juremá é o espaço onde as divindades chamadas encantados são invocadas nos rituais do Toré, próximo à Jurema (árvore). É interessante notar a presença no canto também dos santos católicos, considerados igualmente poderosos e invocados para proteção.
O Juremê, O Juremá
Suas folhas caem serenas, ó Jurema
Dentro deste Gongá
Salve o sol e salve a lua
Salve São Sebastião
Salve São Jorge Guerreiro
Que nos deu a proteção
Ó Jurema
O canto abaixo se refere à Cabocla Iracema, que é considerada como pertencente à falange, isto é, ao grupo da Cabocla Jurema. No livro Iracema, de José de Alencar, a protagonista era a responsável pela manutenção dos objetos sagrados e do culto à Jurema. Seu padecimento teve muito mais a ver com o abandono de suas práticas religiosas do que com o amor dedicado ao estrangeiro:
Iracema, Iracema
Mensageira de oxalá,
Vem das matas distantes,
Desbravar os caminhos pra seus filhos ajudar,
Salve a cabocla Iracema
Ela é rainha é a guerreira
Que mora na cachoeira
E vem na Umbanda (nesta banda) trabalhar (nos ajudar)
Salve a Cabocla Iracema!
Ela também, como Jurema, é a cabocla de penas, que assume todas as características dos indígenas descritos pela fase romântica da literatura de José de Alencar, onde os cantos a descrevem com flechas douradas, capacetes de pena e filha de caciques, em muitas canções chamados de Tupinambá.
A mesma relação de poder ou de chefe das falanges das caboclas é ressaltada nos versos de:
Brilhou um clarão no céu
Ai, ai, ai meu Deus, o que será?
Onde estarão as caboclas da Jurema
Que até agora não apareceram
A Jurema Caçadora, a última das classificações populares, reforça o mito da mulher livre, poderosa e provedora e senhora das matas:
Chegou a Jurema
Ela veio das matas virgens
Ela é caçadora
Chegou das matas virgens
Ela é caçadora
Chegou das matas virgens
O canto acima faz referência também à Jurema das Matas, onde ela reina enquanto caçadora e protetora das de animais e plantas e que vem agora para a cidade para proteger os umbandistas, também ditos filhos de fé:
Defuma com as ervas da Jurema,
Defuma com arruda e guiné,
alecrim, benjoim e alfazema,
eu vou defumar filhos de fé.
A canção acima, também chamada de ponto na Umbanda, solicita proteção para as plantas através dos defumadores, considerados como purificadores de ambientes e pessoas. Muitos dos vegetais utilizados nos ritos de purificação ou “banhos de folha”, quando empregados com a intenção de curar, são chamados de “Ervas da Jurema”. A defumação também pode estar presente através dos cachimbos, no momento em que as baforadas de fumaça são lançadas sobre aqueles que se pretende purificar. Ao fumo dos cachimbos, quase sempre são adicionadas outras ervas conhecidas também como “da Jurema”. A defumação é comum em todos os contextos, sendo que na Umbanda o cachimbo é substituído pelo charuto, largamente empregado pelos caboclos.
Já os versos abaixo, falam do sertão nordestino, local onde são realizados os rituais da Jurema, algumas vezes também chamados de Cariri, indicando o lugar onde estaria o filho, de santo – como nos Candomblés de Angola – ou de fé – como na Umbanda – ou ainda um juremê – filho do Catimbó ou de um índio:
Ô, Juremê, ô, Juremá
Olha teu filho onde está
É no sertão da Jurema
Olha teu filho onde está
É no sertão do Juremá
E, finalmente, a Jurema da Praia, muitas vezes considerada como a filha da Rainha do Mar, Iemanjá:
Venha cabocla Jurema
Sua banda está toda em flor
Cabocla de pena vai chegar
Tupinambá já lhe ordenou
Ela vem, e vem beirando o Mar,
Iluminada com a Estrela Guia
E a benção da Rainha do Mar
E é muitas vezes com pesar que os adeptos se despedem da Jurema, uma das caboclas mais queridas por todos, sejam eles índios, umbandistas, catimbozeiros ou participantes dos Candomblés por todo o território nacional.
A Jurema veio trabalhar
A Jurema veio saravá
Com ordem de Oxalá
Ela agora, ela vai caminhar
O último verso, “e agora ela vai caminhar”, indica o momento de sua partida, depois de curar, consolar e abraçar seus filhos em um interminável ciclo de renovação da vida.
Referências
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BARROS, José Flávio Pessoa de; LA MENZA, Horacio Trujillo. Patioba: An Anthropological Study of a Brazilian Edible Aroid. In Curare – Zeitschrift für Ethnomedizin und transkulturelle Psychiatrie. Vol. 10. Federal Republic of Germany, 1987.
BARROS, José Flávio Pessoa de; MOTA, Clarice Novaes. Espaço e tempo: O Sagrado e o Profano nos Candomblés Keto e entre os Índios Kariri-Shoko. In America Latina e Caribe – Desafio do Século XXI. Rio de Janeiro, PROEALC – UERJ, 1995.
CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-brasileiros. Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária – SEEC/RJ, 1977.
CAMARGO, Maria Thereza Lemos de Arruda. Plantas Medicinais e de Rituais Afro-brasileiros I. São Paulo, ALMED, 1988.
CASCUDO, Luís da Câmara. Nota sobre o Catimbó, In Novos estudos afro-brasileiros (G. Freyre, ed.), Massangana, Recife, págs. 77-151
CORRÊA, Manuel Pio. Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas. Imprensa Nacional. Vol. 1, Rio de Janeiro, 1926.
DALZIEL, J.M. The useful plants of West Tropical Africa. Londres, Ed The Crown Agents for the Colonies, 1948.
FORSBERG, F.R. Plant collecting as an anthropological field method. Separata, México, Ed. El Palacio, 1960.
MOTA, Clarice Novaes. As Jurema Told us: Kariri-Shoco Mode and Utilization of Medicinal Plants in the Context of Modern Northeastern Brazil. Ph. D. Dissertation, University Microfilms, Ann Arbor, Michigan, 1987.
PELT, Jean-Marie. Drogues et plantes magiques. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1983.
PESSOA DE BARROS, José Flávio; MOTA, Clarice Novaes. O complexo da Jurema: Representações e Drama Social Negro-indígena. In MOTA, Clarice Novaes; ALBUQUERQUE, Ulisses Pesssoa. As muitas faces da jurema: de espécie botânica à divindade afro-indígena. Recife, Pernambuco: Ed. Bagaço, 2002. p. 19-60.
SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos Reinos Vegetal, Animal e Mineral, do Brasil, pertencente à Medicina. Rio de Janeiro, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1969, tomo I, vol. 89.
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewé – Uso das plantas na sociedade Iorubá. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
WEIL, Andrew. The natural mind: A new way of looking at drugs and the higher consciousness. Houghton Mifflin Co, Boston, 1972.
[1] Professor Doutor (USP), pesquisador da UERJ e consultor ad-hoc da FAPERJ.
Pai Nelson Souza,eu sou filho de Willian T’Ogun, e meu nome e Carlos Henrique T’Ibonã eu estou com uma enorme duvida pois minha irmã carnal fez o santo num axé no qual não entendo algumas coisas feitas naquele Ilê. Minha irmã ja era chamada pela digina antes mesmo de ser feita. Quando foi feita, ela continuou a ser chamada pelo mesmo nome ja que foi dito que a Oxum dela assim quiz “qualidade de sua Oxum: é a Dandara”que por sinal e sua digina. Gostaria de que vc sendo uma pessoa instruida 1° por DEUS e 2° Ogum me ajude a entender essas coisas que estão fazendo com nossa Religião.
Gostaria que você me respondesse por e-mail .
sonicdebel@gmail.com
Carlos primeiro vamos quebrar uma dúvida comun: “Aquele axé faz diferente do meu axé, está errado?” De forma alguma uma diferença entre os axes quer dizer erro, é só diferente. Isso é só uma introdução e não uma bronca, ok? rsrsrsrs. Meu irmão quem vivenciou de fato a construção de um digina, quem entrou pro roncó pra arrumar cama de Yaô e ficou cercando o zelador pra ve como ele “descobre” a digina, sabe do trabalho que dá entender este fundamento, o que trabalho que dá “descobrir” uma digina. O nome Danda é ligado a Angola e vem do inkise Dandalunda (assemelhada a Oxum, porém não é Oxum, é Dandalunda) e o termo Ará é ketu, não é Angola e tecnicamente não dá pra juntar os dois numa digina. Pra complicar mais, existe um consenso de que todo abiã pode, na iniciação, ter o seu orixa/inkise/vodum mudado, o “verdadeiro” dono pode na iniciação requerer a cabeça do Yaô, por isso, dar digina antes da inciação é risco muito grande e um erro gravíssimo, porque quem dá a digina de fato é o próprio orixa/inkise atravez de uma série de “sinais” que podem ser sonhos, palavras, gestos, jogos de búzios e outros. Portanto quem da á digina é o orixa/inkise, dar digina antes é desrespeitar o orixa/inkise. Tomeje
O exu 7 tronqueiras escravo de quem?
Ele vem da demanda de quem?
Ele vem por quais caminhos?
Eu tenho um irmão que trabalha com esse exu,e ainda não o vi em outra cabeça a não ser a do meu irmão,ele e de Telê compesso ou como queira falar Logum Edé.
Carlos T’Ibonã
Carlos, inicialmente, em Candomblé não existe ligação de catiço com orixá “Tal”, até por que são cultos diferentes e com nenhuma afinidade em comum.
Creio que essa questão de “linhas” foi criada com a tentativa de aproximar os dois mundos, só que esses Exús provêm de Umbanda, então orixás de Umbanda podem ter sua falange e possivelmente até os exús catiços que podem ser ligados a ele, mas em Candomblé isso não procede, pois são cultos e entendimentos diferentes. Sabemos até que antigamente não existia espaço para catiço em comunidades de Candomblé, mas que isso passou a acontecer devido ao contato com a Umbanda e a popularização dessas entidades.
Sobre informações desse tipo, nós não temos como te disponibizar aqui. Você pode procurar em outros sites direcionados à Umbanda.
E sobre o Exú 7 Tronqueira, eu nunca tive oportunidade de vê-lo trabalhando com alguma pessoa.
Dayane, boa tarde.
Tenho 38 anos de idade, pertenço a uma casa de Candomblé da nação Keto há 03 anos, nesta casa nunca vi outros toques a não ser de Orixás (saída de santo, festas, toque para Orixás, etc.), tbm vi dois toque para Exus e Pomba Gira, porém, sinto muita falta de aprendizado e com isso estou à procura de outra casa.
Um amigo meu me levou em seu barracão, é uma casa de candomblé da nação Gege Nagô, simplesmente amei, mas isso é relativo, pois tenho muito amor e respeito a minha crença então acabo por amar todas as casas que visito, nesta casa tive bastante aproximidade com todos e fique muito atraída em ir pra lá.
Mas, agora vem o xis da questão, essa casa também toca para catiço e jurema eles tem mestre e mestra!!!
Isso não é umbanda?
Casa de candomblé tem que tocar tbm para a esquerda?
Pode ser ignorância minha, mas quando ouço a palavra esquerda tenho a impressão que estou falando de “demônios” um pouco mais evoluídos.
Peço que me esclareça o que é esquerda? Quem são esses espíritos da esquerda? São espíritos ruins que tbm faz o bem?
Pela pouca experiência que tenho, Orixás são energias benéficas e que todos carregam, caso vc for uma pessoas ruim que só faz o mau e nada faz para ajudar o próximo o Orixá acaba por ser afastando da pessoa, é isso mesmo?
Estou muito confusa me ajude, tem hora que acho que são todos os mesmo espíritos e só mudam os nomes.
Obs. Sou somente burizada filha de Iansã com Ogun.
Abraços
Marian
Calma, Mariang.
Umbanda é Umbanda, Jurema é Jurema e Candomblé é Candomblé. Cada um com a suas histórias que se cruzam quando falamos da presença da cultura e religiosidade negra, ok?
Jurema é um culto de origem indígena com aspectos da religiosidade negra e da dos brancos. É um culto de expressão bastante forte em parte do nordeste e já se transformou numa questão de identidade religiosa por aqui. Por tudo isso, o culto da Jurema é bem difundido dentre os terreiros de Candomblé de diversas nações.
O que todos nós temos que entender é que nem Jurema, nem Candomblé e nem Umbanda cultuam “demônios”. Isso, dessa forma mostrada nas igrejas cristãs não existe para nós, minha cara.
Até aonde eu sei, na Umbanda o lado “esquerdo” quer dizer as entidades, todos os espíritos, todas aquelas entidades que eles trabalham e que não são orixás. Estes últimos estão do lado “direito”. É só uma divisão pra melhor compreensão dos fieis, entendes?
Mariang, pegue essa concepção de demônio, de Diabo, de espírito que só quer fazer o mal de deixe lá na igreja, tá?
O culto aos catiços não faz parte de Candomblé, porém existem muitas casas que o fazem devido à popularidade que as entidades espirituais ganharam.
Enfim, não precisa ter medo. O importante é numa casa de Candomblé, caso haja algum culto aos catiços, cada um ficar no seu quadrado e cada segmento ficar nos seus limites.
As diferenças entre um e outro você vai aprendendo com o tempo, com os ouvidos e com as leituras. Não dá pra eu te explicar tuuuudo aqui, senão sai uma dissertação. 😉
Tem um post aqui chamado “Candomblé não é Umbanda”. Procure-o e lei-o, certo?
Axé!
Dayane,
muito obrigada pelo seus esclarecimentos, gostei muito.
vou entrar no post e vou estudar mais, pois amo nossa crença e não quero ficar como mais uma participante eu quero saber e crescer dentro da religiosiadade.
Obrigado e muito axé pra todos nós.
como Faso atrapalha uma amarração QUE FIZERAM PARA MEM
já vou logo falando tenho um probrema básico mais compricado tenho um maria sete saias …………..
Luana sempre aconselhamos fazer um jogo para saber destes assuntos.
ire
Salve a pombo-gira.
ire
Este ponto da cabloca Iracema foi “Minha” cabloca que passou a uns 7 anos! Eu publiquei no finado orkut. Fico muito feliz em ver seu ponto cantado sendo disseminado pelos adoradores de nossa religião!